quinta-feira, 24 de março de 2005

Vi finalmente o filme de Gus Van Sant, Gerry, produzido em 2002. Tudo é excelente nesta obra: a realização (Gus Van Sant é um dos realizadores americanos mais criativos), a fotografia belíssima de Harry Savides (lembrando as fotografias de Ansel Adams), a música fabulosa (Für Aline e Spiegel im Spiegel do compositor estoniano Arvo Pärt - já falámos várias vezes sobre ele no "Expresso do Oriente"), as interpretações dos dois Gerrys (Matt Damon e Casey Affleck), os efeitos sonoros impressionantes de Felix Andrew. Estamos em face de um filme minimalista e, como tal, a história é muito fácil de contar: dois jovens, ambos chamados "Gerry", vão fazer um passeio pela "wilderness", pelos campos selvagens, com o objectivo de irem a um determinado local, apenas identificado vagamente como a "coisa" ("the thing"). Deduz-se que esta "coisa" não é nenhum objecto ou local misterioso; é apenas um pretexto de um passeio. Perdem-se e todo o filme não é mais do que a sua caminhada até à exaustão - pois não trouxeram água nem alimentos - através do "vale da morte", o famigerado Death Valley no Oeste americano. Embora não possa confirmar, li, algures, que os diálogos resultaram do improviso dos dois actores. Nada de especial acontece a não ser a desorientação e a caminhada que parece não ter fim. É um misto do Projecto Blair Witch (mas aqui não há propriamente terror) e Esperando Godot (a peça de Samuel Beckett; só que, no filme, o decisivo está na imagem cinematográfica e não no diálogo). É evidente que estes jovens não primam pela auto-estima, visto que o termo "gerrysar" expressa a ideia de estarem "lixados". Quando era jovem, vi a peça de Beckett e poderia estar aqui, horas a fio (é um modo de dizer...:-) , a comentar cada frase, cada cena da peça do escritor irlandês; o que se pode dizer desta narrativa minimalista, para lá de se sublinhar a beleza sublime das imagens? Apenas isto: dois jovens totalmente desorientados, caminham desenfreadamente pelo vale da morte, procurando encontrar salvação no meio de uma terra inegavelmente bela, mas desolada. O que talvez não seja pouco...

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