domingo, 8 de agosto de 2004
O Enigma de Catilina
Já vão longe as minhas aulas de Latim. Mas ainda ressoa na minha cabeça - tantas vezes a ouvi - a famosa interrogação de Cícero: "Quosque tandem abutere, Catilina, patientia nostra?" (Até quando, Catilina, abusarás da nossa paciência?"). Esta questão insere-se nas Catilinárias, os discursos de Cícero contra o seu rival Catilina. Mas quem era, na verdade, Catilina? Ninguém sabe bem...daí o título do romance histórico de Steven Saylor, Catilina's Riddle (O Enigma de Catilina). Será que, como conta Cícero, Catilina era um político romano depravado movido pelo desejo de destruir a República ou, pelo contrário, representava a voz do progresso em rota de colisão com os interesses dos Optimates (a aristocracia romana)? O romance de Saylor é bem sugestivo e, como diz Ruth Rendell, na publicidade da capa da edição portuguesa: "tem um saber de cortar a respiração e uma escrita cativante". O que eu gostei mais no romance foi a recriação pormenorizada da vida diária de um romano às voltas com a sua quinta na Etrúria. Fiquei também atónito com o número de políticos ilustres que circulam em Roma nos anos de 63-62 a.C. Para lá de Cícero e de Catilina, deparamos com César, Marco António, Crasso, Pompeu, entre tantos outros. Será que a história empolgante de Roma se resume a poucas décadas? Excelente tradução portuguesa de Maria José Figueiredo para as edições Quetzal.
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sábado, 7 de agosto de 2004
A Folha da Relva
"O desejo poderoso queima-se de amor por uma folha de relva e esta meneia-lhe a cabeça, sorri e voa para longe."
Tagore
Tagore
A Casa e o Mundo
A Casa e o Mundo (Ghare Baire) é um dos romances mais interessantes de Rabindranath Tagore. Escrito em 1916, conta a história de Bimala, a mulher de um aristocrata, Nikhil, seduzida por Sandip, um político nacionalista pleno de carisma e de demagogia, que revela ser um charlatão. Como pano de fundo, encontramos a divisão de Bengala em 1905 na era de Lord Curzon. Um dos interesses da história está no desejo do marido em libertar a sua mulher da clausura, a "purdah" ou gineceu indiano, pois ele quer que ela o ame por aquilo que ele é. Satyajit Ray, o grande realizador indiano, baseou-se neste romance de Tagore para editar um filme com o mesmo título em 1984. O célebre actor Victor Banerjee - o Dr.Aziz da Passagem para a Índia - representou o papel de Nikhil.
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Tagore
Rabindranath Tagore nasceu a 7 de Maio de 1861 na cidade de Kolkata (Calcutá), a antiga capital da Índia. Poeta, dramaturgo, filósofo, pintor, músico e coreógrafo, Tagore obteve o Prémio Nobel da Literatura em 1913, pela primeira vez atribuído a um não-ocidental. Em 1901, para fundar uma Universidade de Filosofia em Santiniketan (Viswabharati em Bengala Ocidental), vendeu grande parte das suas propriedades. A edição inglesa, traduzida e comentada por ele próprio, de uma obra sua em Bengali, o Gitanjali ("Canção de Oferendas" ou "Oferenda Lírica", 1912), com um prefácio de Yates, tornou-o internacionalmente famoso. Foi feito cavaleiro pela rainha de Inglaterra em 1915, mas devolveu o título em 1919, quando ocorreu o terrível massacre de Jalianwalabag(Punjab). É conhecido pelos indianos como o Sol da Índia ou como Gurudeva (Mestre divino). Os poemas dos hinos nacionais da Índia e do Bangladesh foram escritos por ele. Morreu a 7 de Agosto de 1941.
A Migalha e o Ouro
"Estava mendigando de porta em porta
no caminho da aldeia, quando a
tua carruagem de ouro apareceu ao longe,
como um sonho deslumbrante. E eu
perguntei-me, extasiado, quem seria
esse Rei dos reis.
A minha esperança voou e
pensei que os meus dias infelizes tinham
chegado ao fim. E fiquei sentado,
esperando esmolas dadas sem serem
pedidas, e um tesouro derramado pelo
chão, por todo o lado.
A carruagem parou onde estava
sentado. O teu olhar pousou sobre mim e
desceste sorrindo. Senti que a felicidade da
minha vida por fim havia chegado. Então,
de repente, estendeste a mão direita e
perguntaste: "O que tens para dar a mim?"
Ah, mas que gesto régio foi esse o de
abrir a tua mão para pedir esmola a um
mendigo? Estava confuso e não sabia o
que fazer. Então, bem devagar, tirei da
minha sacola o último e menor grão de
trigo e entreguei-o a ti.
Contudo, qual não foi a minha
surpresa quando, no fim do dia, esvaziei a
minha sacola no chão e encontrei um
grão de ouro entre as pobres migalhas que
restavam! Chorei amargamente,
lamentando não ter tido a coragem de
entregar-me todo a ti."
Tagore
no caminho da aldeia, quando a
tua carruagem de ouro apareceu ao longe,
como um sonho deslumbrante. E eu
perguntei-me, extasiado, quem seria
esse Rei dos reis.
A minha esperança voou e
pensei que os meus dias infelizes tinham
chegado ao fim. E fiquei sentado,
esperando esmolas dadas sem serem
pedidas, e um tesouro derramado pelo
chão, por todo o lado.
A carruagem parou onde estava
sentado. O teu olhar pousou sobre mim e
desceste sorrindo. Senti que a felicidade da
minha vida por fim havia chegado. Então,
de repente, estendeste a mão direita e
perguntaste: "O que tens para dar a mim?"
Ah, mas que gesto régio foi esse o de
abrir a tua mão para pedir esmola a um
mendigo? Estava confuso e não sabia o
que fazer. Então, bem devagar, tirei da
minha sacola o último e menor grão de
trigo e entreguei-o a ti.
Contudo, qual não foi a minha
surpresa quando, no fim do dia, esvaziei a
minha sacola no chão e encontrei um
grão de ouro entre as pobres migalhas que
restavam! Chorei amargamente,
lamentando não ter tido a coragem de
entregar-me todo a ti."
Tagore
sexta-feira, 6 de agosto de 2004
Loreena
Se juntarmos as vozes de Joan Baez e de Sandy Denny (Fairport Convention) temos a cantora canadiana dos anos 90, Loreena McKennitt. É, sem dúvida, um dos nomes mais interessantes da autodenominada música celta, a que acresce o seu gosto pela literatura de Tennyson e de Yates. Naturalmente, a cantora não esqueceu a cidade de Évora que ostenta provavelmente no seu nome a sua origem celta. Book of Secrets é um dos seus melhores trabalhos.
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A Morte de Elaine
"Most noble lord, Sir Lancelot of the Lake,
I, sometime called the maid of Astolat,
Come, for you left me taking no farewell,
Hither, to take my last farewell of you.
I loved you, and my love had no return,
And therefore my true love has been my death.
And therefore to our Lady Guinevere,
And to all other ladies, I make moan:
Pray for my soul, and yield me burial.
Pray for my soul thou too, Sir Lancelot,
As thou art a knight peerless."
Tennyson, Lancelot and Elaine (outro excerto)
I, sometime called the maid of Astolat,
Come, for you left me taking no farewell,
Hither, to take my last farewell of you.
I loved you, and my love had no return,
And therefore my true love has been my death.
And therefore to our Lady Guinevere,
And to all other ladies, I make moan:
Pray for my soul, and yield me burial.
Pray for my soul thou too, Sir Lancelot,
As thou art a knight peerless."
Tennyson, Lancelot and Elaine (outro excerto)
Lancelot e Elaine
"Elaine the fair, Elaine the loveable,
Elaine, the lily maid of Astolat,
High in her chamber up a tower to the east
Guarded the sacred shield of Lancelot"
Tennyson, Lancelot and Elaine (excerto)
Elaine, the lily maid of Astolat,
High in her chamber up a tower to the east
Guarded the sacred shield of Lancelot"
Tennyson, Lancelot and Elaine (excerto)
A Maldição de Elaine
Elaine, versão gaélica de Helena, é o nome comum de várias personagens da lenda arturiana. Interessa-nos naturalmente aquela que é a Senhora de Shallot, a mesma do poema de Tennyson. Filha de Bernard de Astolat, Elaine é encerrada numa torre em Shallot donde vê o mundo através de um espelho. Com as imagens reflectidas, vai tecendo uma tapeçaria... um dia, surge-lhe a imagem de Lancelot..."and the mirror cracked from side to side". Apaixona-se por ele a um ponto tal que consegue ter forças para sair da sua prisão. Morre, no entanto, pois o seu amor não foi correspondido, sendo o seu corpo levado para Camelot. O nome Elaine está também relacionado com a versão francesa, dita de Cister, do mito do Rei Pescador. O pai de Elaine, Pellès, como Amfortas, guarda o cálice do Graal no seu castelo e definha com uma ferida misteriosa. Elaine, através de um truque, consegue que Lancelot durma com ela, fazendo-se passar por Guinevere, a mulher de Artur. Dessa relação, Elaine conceberá Galaad, o cavaleiro puro, um dos poucos que verá o Graal. Existe ainda Elaine, a sobrinha de Artur que se apaixona por Perceval. Muitas mais "Elaines" existem, em particular a Elaine de Guybrush do Monkey Island, mas essa é uma outra história...;-) Hoje é dia de Tennyson (nasceu a 6 de Agosto de 1809).
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Tennyson
"On burnish'd hooves his war-horse trode;
From underneath his helmet flow'd
His coal-black curls as on he rode,
As he rode down to Camelot.
From the bank and from the river
He flashed into the crystal mirror,
"Tirra lirra," by the river
Sang Sir Lancelot.
She left the web, she left the loom,
She made three paces through the room,
She saw the water-lily bloom,
She saw the helmet and the plume,
She look'd down to Camelot.
Out flew the web and floated wide;
The mirror crack'd from side to side;
"The curse is come upon me," cried
The Lady of Shalott."
Tennyson, The Lady of Shalott (excertos)
From underneath his helmet flow'd
His coal-black curls as on he rode,
As he rode down to Camelot.
From the bank and from the river
He flashed into the crystal mirror,
"Tirra lirra," by the river
Sang Sir Lancelot.
She left the web, she left the loom,
She made three paces through the room,
She saw the water-lily bloom,
She saw the helmet and the plume,
She look'd down to Camelot.
Out flew the web and floated wide;
The mirror crack'd from side to side;
"The curse is come upon me," cried
The Lady of Shalott."
Tennyson, The Lady of Shalott (excertos)
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quinta-feira, 5 de agosto de 2004
Oriente e Ocidente
“Aonde nos arrasta este poderoso desejo que para nós conta mais do que qualquer prazer? Porquê precisamente nesta direcção, onde até ao presente desapareceram todos os sóis da humanidade? Contar-se-á talvez um dia que, também nós, marchando para Ocidente, esperávamos atingir uma Índia – mas que o nosso destino foi o de […] naufragar"
Nietzsche, Aurora 575
Nietzsche, Aurora 575
História antiga
Um viajante, sentindo-se perdido, pergunta a um estranho se ele sabia o caminho para a capital. Este responde-lhe: "sim, sei". O viajante interroga-o novamente: "acha que leva muito tempo?" "Não sei", diz-lhe o outro. "Não sabe? Mas, então, por que razão disse que conhecia o caminho?" Responde-lhe o estranho: "Ainda não o vi a andar".
quarta-feira, 4 de agosto de 2004
O Fotógrafo
Na passada segunda-feira (2 de Agosto), morreu Henri Cartier-Bresson, o fotógrafo francês que revolucionou completamente a nossa visão dos rostos. Só hoje se soube da sua morte.
Mab
Mab é, por excelência, a rainha das fadas. As raízes mitológicas deste tema central do imaginário europeu encontram-se nas lendas dos Celtas, seja em Mabb (País de Gales) ou em Maeve (Irlanda). Maeve (Medb/Maebhe) é a rainha que detém a soberania da Terra. Ninguém poderia ser rei se não casasse com Maeve. Ela vai ser responsável pela morte do herói do Ulster, Cuchulain. Em termos religiosos, Mab coincide, a meu ver, com a deusa Morrigan. Os corvos da deusa descem sobre os ombros de Cuchulain, selando o seu destino. Certamente haverá uma relação entre Mab e Brünnhilde...
Ben Jonson e a Fada Mab
"This is Mab the Mistriss Fairy,
That doth nightly rob the Dairy,
And can hurt, or help the cherning,
(As she please) without discerning"
Ben Jonson, A Particular Entertainment at Althrope
That doth nightly rob the Dairy,
And can hurt, or help the cherning,
(As she please) without discerning"
Ben Jonson, A Particular Entertainment at Althrope
Nymphidia e a Fada Mab
"And thou, Nymphidia, gentle fay,
Which meeting me upon the way
These secrets didst to me bewray,
Which I now am in telling;
My pretty light fantastic maid,
I here invoke thee to my aid,
That I may speak what thou hast said,
In numbers smoothly swelling.
This palace standeth in the air,
By necromancy placed there,
That it no tempests needs to fear,
Which way soe'er it blow it.
And somewhat southward toward the noon,
Whence lies a way up to the moon,
And thence the Fairy can as soon
Pass to the earth below it.
The walls of spiders' legs are made,
Well mortised and finely laid;
He was the master of his trade
It curiously builded"
Michael Drayton, Nymphidia (excerto)
Which meeting me upon the way
These secrets didst to me bewray,
Which I now am in telling;
My pretty light fantastic maid,
I here invoke thee to my aid,
That I may speak what thou hast said,
In numbers smoothly swelling.
This palace standeth in the air,
By necromancy placed there,
That it no tempests needs to fear,
Which way soe'er it blow it.
And somewhat southward toward the noon,
Whence lies a way up to the moon,
And thence the Fairy can as soon
Pass to the earth below it.
The walls of spiders' legs are made,
Well mortised and finely laid;
He was the master of his trade
It curiously builded"
Michael Drayton, Nymphidia (excerto)
Defesa da Poesia
"Para ser verdadeiramente bom, um homem deve imaginar intensa e compreensivamente; deve pôr-se no lugar de outrem e de muitos outros; as dores e os prazeres da sua espécie devem tornar-se seus. O grande instrumento do bem moral é a imaginação"
Shelley, Defense of Poetry
Shelley, Defense of Poetry
Shelley e a Rainha Mab
"... No longer now
He slays the lamb that looks him in the face,
And horribly devours his mangled flesh;
Which, still avenging nature's broken law,
Kindled all putrid humours in his frame,
All evil passions, and all vain belief,
Hatred, despair, and loathing in his mind,
The germs of misery, death, disease, and crime.
No longer now the winged habitants,
That in the woods their sweet lives sing away,
Flee from the form of man; but gather round,
And prune their sunny feathers on the hands
Which little children stretch in friendly sport
Towards these dreadless partners of their play.
All things are void of terror"
Shelley, Queen Mab, vv.211-225
He slays the lamb that looks him in the face,
And horribly devours his mangled flesh;
Which, still avenging nature's broken law,
Kindled all putrid humours in his frame,
All evil passions, and all vain belief,
Hatred, despair, and loathing in his mind,
The germs of misery, death, disease, and crime.
No longer now the winged habitants,
That in the woods their sweet lives sing away,
Flee from the form of man; but gather round,
And prune their sunny feathers on the hands
Which little children stretch in friendly sport
Towards these dreadless partners of their play.
All things are void of terror"
Shelley, Queen Mab, vv.211-225
A Rainha Mab e o Sonho de Romeu
"Mercúcio - Vejo, então, que a rainha Mab esteve contigo. É a parteira das fadas que o tamanho não chega a ter de uma pedra de ágata no dedo indicador de um almotacé. Viaja sempre puxada por uma parelha de pequeninos átomos que pousam de través no nariz dos que dormitam. As longas pernas das aranhas servem-lhe de raios para as rodas; a capota de asa é feita de gafanhotos; os tirantes, das teias mais subtis; o colarzinho, de húmidos raios do luar prateado. O cabo do chicote é um pé de grilo; o próprio açoite, simples filamento. De cocheiro lhe serve um pequeno mosquito de casaco cinzento que não chega nem à metade do pequeno bicho que nos dedos costuma arredondar-se nas criadas preguiçosas. O carrinho de casca de avelã vazia, feito foi pelo esquilo ou pelo mestre verme que desde tempo imemorial o posto mantém de fabricante de carruagens para todas as fadas. Assim montada, noite após noite, ela galopa pelo cérebro dos amantes que, então, sonham com coisas amorosas; pelos joelhos dos cortesãos que com salamaleques a sonhar passam logo; pelos dedos dos advogados que a sonhar começam com honorários; pelos belos lábios das jovens que com beijos logo sonham, lábios que Mab, às vezes, irritada, deixa cheios de pústulas, por vê-los com o hálito estragado por doces. Por cima do nariz de um palaciano por vezes ela corre, farejando logo ele, em sonhos, um processo gordo. Com o rabinho enrolado de um pequeno leitão de dízimo, ela faz cócegas no nariz do vigário adormecido que logo sonha com mais um presente. Na nuca de um soldado ela galopa, sonhando este com cortes de pescoço, ciladas, brechas, lâminas de Espanha e copos bebidos à saúde, de cinco braças de alto. De repente, porém, explode pelo ouvido dele que estremece e desperta e, aterrorizado, reza uma ou duas vezes e, de novo, põe-se a dormir. É a mesma Rainha Mab que a crina dos cavalos enredada deixa de noite e a cabeleira grácil dos elfos muda em sórdida melena que, destrançada, augura maus eventos. Essa é a bruxa que, estando as raparigas de costas, faz pressão no peito delas, ensinando-as, assim, como mulheres,
a aguentar todo o peso dos maridos. É ela, ainda...
Romeu - Paz, Mercúcio! Paz!"
Shakespeare, Romeo and Juliet, I, iv
a aguentar todo o peso dos maridos. É ela, ainda...
Romeu - Paz, Mercúcio! Paz!"
Shakespeare, Romeo and Juliet, I, iv
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Ozymandias
O historiador grego Diodorus Siculus, o autor da Biblioteca Histórica, regista a inscrição de uma estátua completamente em ruínas de Ozymandias, certamente Ramsés II: "Se alguém souber quão grande eu sou e onde me encontro que supere uma das minhas obras." A intenção do tirano era óbvia: mostrar como era inultrapassável. Mas as ruínas da estátua, perdidas na areia do tempo, conferem à sua mensagem um sentido mais sinistro: nada permanece. Sobre este tema, o poeta romântico e revolucionário Percy Bysshe Shelley - que nasceu a 4 de Agosto de 1792 - escreveu um famoso soneto:
Ozymandias
I met a traveller from an antique land,
Who said — "two vast and trunkless legs of stone
Stand in the desert ... near them, on the sand,
Half sunk a shattered visage lies, whose frown,
And wrinkled lips, and sneer of cold command,
Tell that its sculptor well those passions read
Which yet survive, stamped on these lifeless things,
The hand that mocked them, and the heart that fed;
And on the pedestal these words appear:
My name is Ozymandias, King of Kings,
Look on my Works ye Mighty, and despair!
Nothing beside remains. Round the decay
Of that colossal Wreck, boundless and bare
The lone and level sands stretch far away."
Ozymandias
I met a traveller from an antique land,
Who said — "two vast and trunkless legs of stone
Stand in the desert ... near them, on the sand,
Half sunk a shattered visage lies, whose frown,
And wrinkled lips, and sneer of cold command,
Tell that its sculptor well those passions read
Which yet survive, stamped on these lifeless things,
The hand that mocked them, and the heart that fed;
And on the pedestal these words appear:
My name is Ozymandias, King of Kings,
Look on my Works ye Mighty, and despair!
Nothing beside remains. Round the decay
Of that colossal Wreck, boundless and bare
The lone and level sands stretch far away."
terça-feira, 3 de agosto de 2004
A Escrita e a Visão
"A minha tarefa que procuro sempre realizar é a de fazer escutar, de fazer sentir, mas, acima de tudo, de fazer ver através do poder da palavra escrita. Isto e nada mais, pois isto é tudo." Conrad
Turistas e Viajantes
O escritor americano Paul Bowles dizia algures no romance The Sheltering Sky ("O Céu que nos protege") que existe uma diferença capital entre se ser “turista” e “viajante”. O turista é aquele que mal chega a um determinado local estranho pensa logo voltar a casa; o viajante é aquele que pode nunca mais voltar. Os romances de Joseph Conrad e, em particular, Heart of Darkness (Coração de Trevas) são a expressão mais viva da situação do ser humano como “viajante” e de como ele tantas vezes se ilude, pensando que é apenas um “turista” ou mesmo um “marinheiro”. Sobre Marlow, o principal personagem das suas obras, e também de Heart of Darkness, diz o narrador: “Ele era um marinheiro, mas era também um viajante, pois a grande maioria dos marinheiros leva, se assim se pode dizer, uma vida sedentária.” Marlow, paradigma da natureza nómada, mais ou menos revelada, mais ou menos oculta de todo nós.
O nosso agente em Greenwich
Uma das melhores obras de Philip Glass, baseada no romance com o mesmo título de Conrad. Glass consegue apreender musicalmente o profundo sentimento trágico desta história, em que anarquistas planeiam destruir o observatório de Greenwich. Talvez mais interessante do que este "atentado contra a ciência", fundado, aliás, em factos reais, o grande interesse do romance está na descrição impiedosa da manipulação dos mais frágeis. Não é por acaso que Conrad é considerado um dos primeiros escritores modernistas de língua inglesa.
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Conrad
Aquele que é considerado um dos maiores escritores de língua inglesa não é, no entanto, natural de Inglaterra e só aprendeu essa língua quando tinha mais de vinte anos. Estamos a falar naturalmente de Joseph Conrad. O seu verdadeiro nome é Josef Teodor Konrad Korzeniowski e nasceu em 1857 na actual Ucrânia no seio de uma família culta da nobreza polaca, adepta da independência da Polónia. Por causa das perseguições movidas pela polícia czarista, os pais de Conrad acabarão por morrer quando este tinha doze anos. Órfão, Conrad tomou então a decisão de fugir para Marselha com o objectivo de embarcar num navio e lançar-se na aventura. Acaba por se tornar comandante de um navio da marinha mercante inglesa, tornando-se cidadão inglês em pleno período vitoriano, quando o Reino Unido era a maior império do mundo. As aventuras que viveu, tanto na selva do Congo como na Malásia, constituirão o principal tema dos seus romances. Histórias como o "Coração de Trevas" ou o "Agente Secreto" dominam ainda o imaginário contemporâneo. Morrerá em Canterbury, a 3 de Agosto de 1924.
1492, Oriente à vista
No dia 3 de Agosto de 1492, Cristóvão Colombo zarpava de Palos de la Frontera em direcção ao Oriente, rumando para Ocidente. O resultado da expedição é conhecido... Cristóvão Colombo não foi o primeiro europeu a descobrir as Américas, mas a sua viagem mudou o mundo para sempre. Estava prestes a iniciar-se o século de ouro espanhol. A unificação recente dos reinos de Castela e de Aragão ("Reis Católicos") e o sucesso da viagem de Colombo tornavam a Espanha numa nova potência mundial. Marcada, no entanto, pela intolerância: desde a expulsão dos judeus e crentes islâmicos no mesmo ano da viagem até à perseguição religiosa cruel da Inquisição espanhola sob as ordens do sinistro dominicano Tomás de Torquemada. Seria interessante estudar a reacção negativa do Papa Sixtus IV à criação de tal inquisição, assim como a chantagem a que foi submetido pelo Rei da Sicília e de Nápoles, o mesmo "rei católico" de Espanha.
segunda-feira, 2 de agosto de 2004
Filme genial
Ontem à noite vi um filme genial: Balzac e a Pequena Costureira Chinesa. O filme é de 2002 e foi realizado por Dai Sijie. Ele baseia-se numa obra homónima que ele próprio escreveu no ano 2000. A história é simples: dois jovens (Luo e Ma), na época da revolução cultural chinesa, são enviados para o campo no sentido de serem "reeducados". O seu único crime: serem "intelectuais". Na região onde trabalham, conhecem uma rapariga, neta de um velho alfaite, a "costureira chinesa". O grande ponto de encontro entre os três será a leitura de obras proibidas pelo regime, romances de Balzac, de Dumas, de Flaubert, de Rolland, entre tantos outros. A "costureira" nunca mais será a mesma após a leitura daqueles livros, em particular os de Balzac, pois este escritor, nas palavras dela, mais do que qualquer outro, soube retratar o valor precioso da beleza feminina. A história do filme passa-se numa zonas mais belas da China - as Três Gargantas -, no local onde está a acontecer um dos maiores crimes ecológicos do século com a construção de uma barragem monumental. Apesar do filme ter sido realizado na China, tanto o livro como o filme estão proibidos. O que, no contexto, não deixa de ser profundamente irónico, na medida em que versões do livro e do filme circulam no "mercado negro". A grande força do filme é a sua sensibilidade aos problemas humanos e a ironia como aborda as proibições políticas em relação às obras de arte. Tocava-se uma sonata de Mozart desde que ela tivesse o putativo nome de "Mozart pensa no presidente Mao"; narra-se um melodrama desde que tenha sido realizado por um hipotético "realizador albanês". Dickens é deixado em paz, pois os seus biogodes são parecidos com os de Lenine. Estamos, em face, de um dos filmes mais belos de homenagem à arte e, em particular, ao papel libertador da literatura. Como Ma, apetece-nos gritar bem alto o nome de Ursule Mirouët...
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Adeus Bayreuth
Hoje termino a minha reportagem em Bayreuth. O Festival continua até 28 de Agosto, mas as obras a exibir são apenas repetições daquelas que nós já apresentámos. Assim, amanhã voltamos a "ver" novamente a versão de Schlingensief do Parsifal. No dia de hoje, temos o Navio Fantasma ou, se se preferir, "O Holandês Voador ou Errante" (Der fliegende Holländer), pelas 17 horas (hora de Lisboa). É umas das primeiras das grandes óperas de Wagner - conhecidas como as "óperas românticas" - e uma das mais populares. Também é uma das mais pequenas (2:30). Aborda o eterno mito da alma perdida e errante que vagueia pelos mares e que apenas se pode salvar pelo amor incondicional de uma mulher. Essa mulher chama-se Senta e irá ser interpretada por Adrienne Dugger; por sua vez, o grande cantor John Tomlinson ficará com o papel de marinheiro errante. Tomlison é provavelmente um dos grandes cantores das obras de Wagner que tem um sentido especial de como representar teatralmente. Neste ano, não temos o Lohengrin nem os Mestres Cantores. Hoje à noite, "adeus Bayreuth"...
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domingo, 1 de agosto de 2004
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