domingo, 31 de outubro de 2004
Se há pintura mais vista, revista, copiada, filmada, romanceada, analisada, é inegavelmente esta obra-prima da Idade de Ouro holandesa e do Barroco. Este quadro de Vermeer encontra-se actualmente no museu de Mauritshuis em Haia. Não se sabe exactamente quando é que o pintor de Delft nasceu, mas tudo indica que foi baptizado em 31 de Outubro de 1632.
O Dia das 95 Teses
Hoje é um dia importante para a história da Europa e do Cristianismo. Martinho Lutero afixa a 31 de Outubro de 1517, na porta da sua igreja, o seu manifesto de 95 teses. Para quem não as conhece aqui vão elas. Vamos imaginar, por mera hipótese académica, a seguinte situação. Não houve cisma nenhum e a Igreja de Roma continuou a ser, até aos dias de hoje, o ponto de referência de toda a Cristandade Ocidental. Hoje, no dia 31 de Outubro de 2004, na Igreja de Wittenberg, um monge de nome Martin Luder (o "verdadeiro" nome de Lutero), afixa aquelas 95 teses. Apesar de sermos todos muito letrados, o mais certo é ninguém perceber nada, ninguém ligar nada e até ficarmos todos muito aborrecidos pela extensão do texto.
sábado, 30 de outubro de 2004
O Eterno Retorno da Estupidez
O Presente e a Revisitação do Passado
Quando observamos com atenção a situação da música na segunda década do século XX, apercebemo-nos que a nossa mania perigosa de catalogar o mundo dissolve a riqueza do momento presente. Na era dos Ballets Russes de Diaghilev, fundados oficialmente em 1909, compositores como Stravinsky, Ravel, Tchaikovsky (falecido em 1893), Eric Satie, Debussy, Prokofiev, Rimsky-Korsakov (falecido em 1908), Mussorgsky (falecido em 1881), Glinka (falecido em 1857), Richard Strauss, entre tantos outros, eram parte viva daquela era prodigiosa. As distinções entre modernos e românticos não faziam sentido nenhum. Mesmo compositores como Rachmaninov faziam furor em França e a obra Rapsódia sobre um tema de Paganini foi escrita nos anos 30. Hoje sabe-se a enorme influência da Sagração da Primavera sobre Puccini. A sua última ópera romântica, Turandot, escrita nos anos 20, é uma estranha conjugação de duas influência poderosas, distintas, mas nunca confessadas: Wagner e Stravinsky. Felizmente tenho um blog para dizer estas coisas, pois se fosse em público iria directamente para a fogueira da crítica histórica que adora encontrar paradigmas e antinomias.
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sexta-feira, 29 de outubro de 2004
A História de Mathilde
O realizador do filme "Amélie", a história que apaixonou o mundo, está de volta. Jean-Pierre Jeunet propõe-nos, assim, um novo filme intitulado Un Long Dimanche de Fiançailles (na versão inglesa, A Very Long Engagement). A história passa-se na primeira guerra mundial. Cinco militares, acusados de terem sido cobardes na terrível frente de Somme, são condenados por um tribunal marcial a irem combater para a "Terra de Ninguém" (o espaço entre as trincheiras inimigas). Como é natural, são alvejados e dados como mortos. No entanto, a noiva de um deles (Mathilde, interpretada por Audrey Tautou) convence-se que ele sobreviveu. E, assim, Mathilde, que mal consegue andar desde os três anos de idade, parte em busca do seu amado. Contado assim, parece um grande "dramalhão", mas Jeunet tem-nos sempre surpreendido pela sua inteligência, sensibilidade e humor.
quinta-feira, 28 de outubro de 2004
Françoise Dastur
Hoje e amanhã, na Faculdade de Letras de Lisboa, vai estar Françoise Dastur. Na sessão de hoje, pelas 16 h (Sala de Mestrados, 5.2), uma introdução à análise do "Dasein" através de Husserl, Heidegger, Freud, Binswanger e Boss. Amanhã, pela mesma hora e no mesmo local, a fenomenologia dos nossos sonhos.
quarta-feira, 27 de outubro de 2004
A Arte e o Infinito
"A arte e a poesia hão-de sempre conferir "uma morada e um nome" (Shakespeare) aos universais. Tornam inviolável o particular e mesmo o ínfimo."
George Steiner, Errata
George Steiner, Errata
Realidade
"Aquilo a que chamamos realidade é o infinito que não conhece nem peso, nem medida, nem tempo, nem espaço, nem absoluto, nem relativo, do qual nenhuma forma foi traçada. A realidade é tão representável como cognoscível. Nada é cognoscível, mas ao mesmo tempo este «nada» eterno existe."
Malevich, Escritos
Malevich, Escritos
terça-feira, 26 de outubro de 2004
O Poema das 21 Gramas
La tierra giró para acercarnos,
giró sobre sí misma y en nosotros,
hasta juntarnos por fin en este sueño,
como fue escrito en el Simposio.
Pasaron noches, nieves y solsticios;
pasó el tiempo en minutos y milenios.
Una carreta que iba para Nínive
llegó a Nebraska.
Un gallo cantó lejos del mundo,
en la previda a menos mil de nuestros padres.
La tierra giró musicalmente
llevándonos a bordo;
no cesó de girar un solo instante,
como si tanto amor, tanto milagro
sólo fuera un adagio hace mucho ya escrito
entre las partituras del Simposio.
Eugenio Montejo
(Caracas, Venezuela, 1938)
giró sobre sí misma y en nosotros,
hasta juntarnos por fin en este sueño,
como fue escrito en el Simposio.
Pasaron noches, nieves y solsticios;
pasó el tiempo en minutos y milenios.
Una carreta que iba para Nínive
llegó a Nebraska.
Un gallo cantó lejos del mundo,
en la previda a menos mil de nuestros padres.
La tierra giró musicalmente
llevándonos a bordo;
no cesó de girar un solo instante,
como si tanto amor, tanto milagro
sólo fuera un adagio hace mucho ya escrito
entre las partituras del Simposio.
Eugenio Montejo
(Caracas, Venezuela, 1938)
21 Gramas
Será que a nossa alma tem peso? O cientista MacDougall estava convencido que sim, tendo realizado várias experiências no princípio do século XX, segundo as quais todos nós, independentemente do nosso peso, perdemos 21 gramas no momento da morte. O realizador mexicano Alexandro González Iñarritu apresenta-nos um filme em inglês (21 grams) que explora em termos metafóricos essa ideia. Não se pode dizer que vinte e uma gramas seja muito - afinal, é o peso de uma simples barra de chocolate - e, no entanto, enquanto metáfora da vida, condensa uma miríade de dramas e conflitos. Ao mesmo tempo, estas 21 gramas expressam bem a efemeridade de todos nós. Se gosta de ver melodramas bem feitos e interpretados (Sean Penn, Naomi Watts, Benicio del Toro), girando em torno das imagens do peso e da insustentável leveza da vida, não perca este filme (DVD). Em termos de narratividade cinematográfica vive na sombra do Memento, mas, sem ser genial, merece a nossa atenção.
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segunda-feira, 25 de outubro de 2004
O Mundo de Picasso
Já todos devem conhecer este site, mas eu ainda não o conhecia...para todos aqueles que são tão distraídos como eu, aqui vai a referência do Picasso Online. Quase três milhões de visitantes!!
Imperdoável
Hoje seria imperdoável esquecer que no dia 25 de Outubro de 1881 nascia Pablito Diego José Santiago Francisco de Paula Juan Nepomuceno Crispín Crispiniano de los Remedios Cipriano de la Santísima Trinidad Ruiz Blasco y Picasso López. Em relação ao seu nome artístico, hesitou entre o nome paterno "Ruiz Blasco" e o materno, "Picasso". A escolha é conhecida...
Coincidências
Em 15 de Junho de 1970, Almada Negreiros morre no Hospital de São Luís dos Franceses. Por estranha coincidência, Almada faleceu no mesmo quarto onde morreu Fernando Pessoa.
domingo, 24 de outubro de 2004
Keep going!
Recordo-me, como se fosse hoje, o momento em que ouvi pela primeira vez a Sinfonia de Luciano Berio, nos finais dos anos 60. E a razão é simples: a alegria enorme que senti ao escutar aquela composição musical. A Sinfonia de Berio pode ser definida como uma "colagem musical". Mas é muito mais do que a simples junção de excertos musicais. Cada tema musical é desenvolvido até ao momento em que se transforma num outro completamente diferente. É claramente uma homenagem a Mahler, com especial relevo para a sua segunda sinfonia. Aqui e ali, ouve-se Stravinsky, Ravel, Boulez, entre tantos outros. Ao mesmo tempo, soam vozes que recitam passagens dos textos mitológicos de Lévi-Strauss e de obras de Samuel Beckett. O efeito global é fascinante. Luciano Berio redigiu uma autêntica "sin-fonia"...O compositor italiano nasceu a 24 de Outubro de 1925. Como sabem, faleceu recentemente (27 de Maio de 2003) em Roma.
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sábado, 23 de outubro de 2004
O mundo começou hoje...
Segundo o calendário Ussher-Lightfoot, o mundo começou no dia 23 de Outubro de 4004 a.C. Este calendário foi proposto no século XVII pelo arcebispo irlandês James Ussher e foi confirmado pelo Professor John Lightfoot da Universidade de Cambridge. Na altura, pensava-se que o mundo teria uma duração aproximada de 6000 anos. O raciocínio era analógico e fundava-se em dois dados bíblicos: o primeiro é bem conhecido e baseia-se na ideia de que Deus criou o mundo em seis dias; o segundo consiste numa afirmação dos Actos dos Apóstolos, para quem um dia divino equivale a mil anos humanos. Não deixa de ser curioso colocar a seguinte questão: se analisássemos retroactivamente o nosso calendário, qual teria sido o primeiro dia do resto, não das nossas vidas, mas deste universo? Terá calhado, por exemplo, a uma quarta ou uma sexta? Cá por mim, deve ter sido num Domingo de manhã, pois estávamos todos a dormir...:-)
sexta-feira, 22 de outubro de 2004
O Pai de Todos Nós
Aquele que foi considerado como "o pai de todos nós", tanto por Picasso como por Matisse, o pintor Cézanne, morreu no dia 22 de Outubro de 1906. Quando os críticos de arte britânicos Roger Fry e Clive Bell inauguraram a exposição dos "pós-impressionistas", assumindo claramente os ideais do modernismo, o seu ponto de referência era Cézanne. Inicialmente, desejava ser músico, tendo estabelecido uma relação de profunda amizade com o escritor naturalista Zola (o autor do Germinal). No entanto, quando Zola publicou o romance A Obra, Cézanne ficou profundamente magoado com este livro, pois sentiu-se retratado na história de um pintor ("Claude Lamier") que tinha enlouquecido. Cézanne amava profundamente a Natureza e o seu desejo de estar perto dela e de a pintar, mesmo muito doente, conduziu-o à morte.
quinta-feira, 21 de outubro de 2004
Blog por E-mail
Hoje, por mais que tente, não consigo escrever um mísero "post" no Expresso do Oriente. E, assim, aqui vai, por e-mail, uma mensagem minha. Queria lembrar que decorre na Bélgica (Grand Palais de Beaux-Arts de Bruxelles), até 16 de Janeiro, uma das maiores exposições culturais de sempre. O seu tema é a Turquia, melhor dizendo a evolução das diferentes civilizações que eclodiram na Anatólia (pré-histórica, Hitita, Bizantina, Otomana). A exposição é realizada segundo uma perspectiva, a da mulher. "Mães, deusas e sultanas" é o seu título. Uma análise atenta da exposição cria-nos a impressão de que a crise que assola a Turquia é meramente um acidente de percurso. Em termos rigorosos, será a partir dos finais do século XVIII, com o enfraquecimento do Império Otomano, que a zona mais oriental da Europa entrou em decadência. Mas, o ingresso da Turquia na União Europeia fará certamente milagres a médio prazo. Uma coisa é certa, se esse alargamento da Europa à Ásia se der, teremos um país tão ou mais forte do que a Alemanha em termos populacionais. O resto virá por acréscimo...
quarta-feira, 20 de outubro de 2004
Rimbaud
"Outrora, se estou bem lembrado a minha vida era um festim em que todos os corações se abriam, em que todos os vinhos cintilavam.
Uma noite, sentei a Beleza nos meus joelhos. - E vi que era amarga. - E injuriei-a.
Armei-me contra a justiça. Fugi. Ó feiticeiras, ó misérias, ó ódio, fostes vós a guarda do meu tesoiro!
Consegui destruir em mim toda a esperança"
Rimbaud, Une Saison en Enfer, trad.port, Uma Cerveja no Inferno, tradução de Mário Césariny, Lisboa, Assírio & Alvim
"Jadis, si je me souviens bien, ma vi était un festin où s'ouvraient tous le coeurs, où tous les vins coulaient.
Un soir, j'ai assis la Beauté sur mes genoux. - Et je l'ai trouvée amère. - Et je l'ai injuriée.
Je me suis armé contre la justice.
Je me suis enfui. O sorcières, ô misère, ô haine, c'est à vous que mon trésor a été confié!
Je parvins à faire s'évanouir dans mon esprit toute l'espérance humaine."
Rimbaud, Une Saison en Enfer
Rimbaud nasceu a 20 de Outubro de 1853.
Uma noite, sentei a Beleza nos meus joelhos. - E vi que era amarga. - E injuriei-a.
Armei-me contra a justiça. Fugi. Ó feiticeiras, ó misérias, ó ódio, fostes vós a guarda do meu tesoiro!
Consegui destruir em mim toda a esperança"
Rimbaud, Une Saison en Enfer, trad.port, Uma Cerveja no Inferno, tradução de Mário Césariny, Lisboa, Assírio & Alvim
"Jadis, si je me souviens bien, ma vi était un festin où s'ouvraient tous le coeurs, où tous les vins coulaient.
Un soir, j'ai assis la Beauté sur mes genoux. - Et je l'ai trouvée amère. - Et je l'ai injuriée.
Je me suis armé contre la justice.
Je me suis enfui. O sorcières, ô misère, ô haine, c'est à vous que mon trésor a été confié!
Je parvins à faire s'évanouir dans mon esprit toute l'espérance humaine."
Rimbaud, Une Saison en Enfer
Rimbaud nasceu a 20 de Outubro de 1853.
terça-feira, 19 de outubro de 2004
Orchidelirium
É possível um filme sobre flores (orquídeas), narrativa cinematográfica e auto-estima? Sim, chama-se Adaptation (em português, Inadaptado...somos sempre muito pessimistas) e foi produzido pelo realizador Spike Jonke e pelo argumentista Charlie Kaufman, os mesmo que estão na base do filme Being John Malkovich. E, assim, ficamos a conhecer as belas orquídeas dos pântanos da Florida, os dramas existenciais dos argumentistas de Hollywood e a saber que a melhor via para a auto-estima não está tanto em procurar ser amado, mas em amar realmente alguém.
A Visão Cega
John Ruskin foi um dos maiores críticos de arte do século XIX, tendo elaborado uma teoria estética original. Graças a ele, Turner e os pré-rafaelitas tornaram-se pontos de referência da sensibilidade vitoriana. E, no entanto, ele foi um dos críticos mais severos de um dos nomes mais importantes da pintura oitocentista, James Whistler. O conflito foi tão grande que terminou em Tribunal com a derrota do crítico e a ruína do pintor.
segunda-feira, 18 de outubro de 2004
Turner Whistler Monet
Mais uma exposição importante. Até ao dia 17 de Janeiro de 2005, as Galeries Nationales du Grande Palais apresentam a exposição de pintura Turner, Whistler e Monet.
domingo, 17 de outubro de 2004
Picturalismo
Até ao dia 28 de Novembro decorre no Museu de Fotografia de Charleroi, na Bélgica, uma exposição do lendário fotógrafo Léonard Misonne. Ele foi o fundador de uma escola modernista intitulada Picturalismo, para quem a luz e a natureza são os temas de eleição.
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sábado, 16 de outubro de 2004
A Pintura do Movimento
A forma prismática deste quadro de Severini retrata com exactidão o ideário futurista de uma arte encantada com o movimento.
O Futurismo e o Fascismo
É conhecida a forma agressiva como o nacional-socialismo alemão apreciou a arte dos anos 20. O epíteto "judaico-bolchevique" era o modo mais comum de adjectivar um tipo de criação artística que colidia com os valores estéticos do III Reich. Esta atitude é coerente e expressa o enaltecimento de uma arte imperial que irá moldar a sensibilidade dos anos 30-40. É interessante verificar que um movimento similar se processará na pátria soviética. Após as "loucuras dos anos 20", a arte estalinista vincará a dimensão gigantesca e monumental, bem presente no edifício da Universidade de Moscovo. E em Itália? Por mais estranho que nos possa parecer, é essencialmente o movimento radical futurista que estará na raiz do fascismo italiano. Em 20 de Fevereiro de 1909, o jornal parisiense publica um manifesto do Futurismo, escrito por aquele que, na altura, era o seu único membro: o poeta e escritor Filippo Tommaso Marinetti. Pouco tempo depois, vários pintores e intelectuais italianos aderem ao futurismo (Balla, Boccioni, Carrà, Severini e Primo Conti). Os traços fundamentais desta escola estética são conhecidos: culto do movimento e energia, desprezando a "arte estática" do passado. A cidade, a maquinaria e a velocidade passarão a ser os novos valores culturais. Ora, será em nome deles que o fascismo de Mussolini brotará. O espírito bélico, misógino que despreza o academismo e o espírito de museu, são originariamente princípios do futurismo. Os futuristas são os principais impulsionadores da entrada da Itália na primeira guerra mundial e estarão com Mussolini na famigerada "marcha sobre Roma" de 1922. Marinetti distanciar-se-á mais tarde do Duce por causa do anti-semitismo, mas não deixa de ser sintomático que a energia criativa futurista tenha literalmente desabado no mesmo ano em que a Itália é ocupada pelos aliados. O fascismo italiano é, assim, um estranho regime político, sem paralelo nas outras ditaduras, parecendo ser o corolário de movimentos anarquistas e radicais que, em nome do futuro, abrem o espaço político para um renascimento neopagão da imagem imperial que Mussolini tinha da Roma Antiga e, naturalmente, de si próprio.
sexta-feira, 15 de outubro de 2004
A Morte da Leitura
"À medida que os glossários crescem, que as notas de rodapé se tornam mais elementares e didácticas, o poema, a epopeia, o drama, vêem o seu equilíbrio destruído na mancha de impressão da página. À medida que até as referências mitológicas, religiosas ou históricas mais básicas que constituem a gramática da literatura do Ocidente, vão necessitando de elucidação, os versos de Spenser, de Pope, de Shelley ou de Sweeney among the Nightingales, perdem a sua claridade imediata. Quando se torna forçoso anotar cada nome próprio e cada alusão clássica do diálogo entre Lorenzo e Jessica no jardim de Belmont ou cada aspecto de pormenor da retórica dissimulada de Iachimo quando entra nos aposentos de Imogen, estas obras deslumbrantes de um sentimento espontaneamente actualizado vão-se tornando mais "literárias" e duplamente distantes" George Steiner, No Castelo do Barba Azul
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O Silêncio e a Solidão
"O acto de leitura é profundamente solitário. Separa o leitor do resto da sala. Encerra a totalidade da sua consciência por trás de uns lábios imóveis. Os livros bem-amados são a sociedade necessária e suficiente do indivíduo que lê a sós. Fecham a porta a outras presenças e tornam intrusos os demais. Em suma, a leitura reclama silêncio e um isolamento feroz. Tais são justamente os traços de sensibilidade considerados suspeitos nos dias de hoje." George Steiner, No Castelo do Barba-Azul
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quinta-feira, 14 de outubro de 2004
Jan Garbarek
Garbarek é certamente um dos maiores compositores e intérpretes da música contemporânea. Natural da Noruega, Garbarek tem uma obra invejável no âmbito do jazz europeu. O seu caminho cedo se cruzou com a música dita erudita e são notáveis as obras que realizou nesse âmbito. No seu último CD, In Praise of Dreams (ECM), encontramos o diálogo fabuloso entre ele, enquanto saxofonista de jazz, e Kim Kashkashian, a violista americana de raiz arménia. Ela é solista de viola nas maiores orquestas clássicas do mundo e tem, como ninguém, interpretado obras de compositores contemporâneos (Britten, Penderecki, Kancheli, Hindemith,Shostakovich, Bartok, Eötvös, Kurtág e Luciano Berio). Conheci-a pela primeira vez num CD de Brahms e fiquei encantado. In Praise of Dreams, um disco de sonho!
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quarta-feira, 13 de outubro de 2004
Ensinando Schubert
Por mera coincidência, terminei o visionamento do filme A Pianista pouco depois de ter sido atribuído o Prémio Nobel da Literatura à escritora austríaca Elfriede Jelinek. Baseando-se num romance desta autora, Michael Haneke, realizador alemão-austríaco (alemão porque nasceu em Munique; austríaco porque viveu grande parte da sua vida em Viena), apresenta-nos um dos filmes mais tristes que vi na minha vida. Não poderíamos encontrar melhor retrato da forma como a solidão afectiva pode conduzir através da fantasia à destruição integral de uma pessoa. A cena final do suicídio falhado é um dos momentos mais pungentes do cinema. Como sempre, Isabelle Huppert está excelente!
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terça-feira, 12 de outubro de 2004
A Vila
Ontem, fui ver o último filme do realizador indiano M.Night Shyamalan, A Vila. Talvez não seja tão bom como o Sexto Sentido ou os Sinais, mas vale a deslocação a uma sala de cinema. Em termos cinematográficos, é evidente o prazer e a mestria deste realizador natural de Madras; por sua vez, o trabalho de encenação é enriquecido pela excelente interpretação dos actores, com especial relevo para Bryce Dallas Howard no papel de Ivy. Os efeitos sonoros são também notáveis. Se é assim, por que razão a crítica arrasou este filme? Talvez, porque ninguém gosta da "revelação". Visto como filme de terror, também deixa muito a desejar (aliás, nunca achei que Shyamalan fizesse "filmes de terror"). Para mim, o mais importante, em termos narrativos, é a construção de uma alegoria sobre a nossa relação com o desconhecido. Talvez, a revelação "final" (seria mais apropriado dizer "central") precisasse de maior ambiguidade, mas não é aqui que se joga o cerne deste filme.
segunda-feira, 11 de outubro de 2004
Meditrina
Se vivêssemos na Roma Antiga, hoje celebrar-se-ia as Meditrinalia, conjunto de festividades dedicadas à deusa Meditrina. Esta deusa era uma das três graças, filhas do deus Asclépio, que tratavam da nossa saúde. As suas irmãs chamavam-se Hígia - donde derivará a palavra "higiene" - e Panaceia (remédio para todos os males). Mas a origem da palavra "medicina" ainda é mais longínqua do que a deusa romana. Remonta ao Antigo Egipto, onde os médicos eram conhecidos por Sinw (Ceni), sendo usual o emprego do prefixo met- para nomes (daí, "met-ceni"). Meditrina não era apenas o símbolo da medicina para os romanos, mas, também, a deusa do vinho. Como se pode ver, quando hoje a medicina exalta as propriedades do vinho, não faz mais do que repetir um conhecimento bem antigo. Afinal, a verdade parece ter estado sempre no vinho...
domingo, 10 de outubro de 2004
As Cores de um Cubo Rubik
Li algures a história verídica de uma criança com três anos que, ao dar-se conta que tinha "desarrumado" as cores de um cubo Rubik, ficou extremamente angustiada. Desatou a chorar quando se apercebeu que não conseguia "arrumá-las" novamente. Esta criança pode ser apenas um caso isolado ou apontar para algo mais universal... se aceitarmos esta segunda hipótese, então significa que temos um horror inato ao "caos" e adoramos padrões definidos de identidade. Como o Poirot, apreciamos as formas simétricas e não ficamos fascinados pelo facto da "desordem" nos oferecer aparentemente mais possibilidades ("cores"). Por isso, pais e mães deste país, se o vosso filho desarrumar o quarto não o castigais, pois ele adoraria saber arrumá-lo num "piscar de olhos". A sua resistência apenas se deve à certeza que é mil vezes mais simples desarrumar do que fazer o inverso. Bateson explica...
sábado, 9 de outubro de 2004
Cold Mountain
Ontem, quando acabei de ver Cold Mountain, dei-me conta que, sem querer, assisti, nestes últimos anos, a um número razoável de filmes de Anthony Minghella: Heaven, Iris, Ripley, Quiet American, English Patient... Cold Mountain é um dos seus projectos mais ambiciosos que certamente visava repetir mais um sucesso deste realizador na noite de todos os Óscares. O filme falha, não só neste seu projecto mercenário, mas, também, em termos artísticos, sendo, no entanto, difícil apontar a razão. Uma hipótese talvez esteja no facto do realizador querer jogar em dois tabuleiros diferentes: por um lado, um filme intimista, no qual o centro deveria ser - mas nunca é...- a vida interior das duas personagens principais (Inman e Ada); por outro, um filme realista que intenta retratar os últimos anos da guerra civil americana. Para lá da relação óbvia com a Odisseia de Homero, achei curiosa a repetição de um dos símbolos mais fortes da cultura celta: o poço cujas águas propiciam a suprema visão do futuro.
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sexta-feira, 8 de outubro de 2004
O Convento dos Inglesinhos
Da Fotografia ao Cinema
Nada melhor do que um bom projecto para suscitar a criação de um filme... O livro de fotografias "A Terra vista do Céu" dá agora lugar a um filme francês com o mesmo título. Realizado por Renaud Delourme, o filme tem mais ou menos a duração de uma hora. Algo me diz que os nossos pecados vistos do céu vão ser perdoados, ou talvez não... uma coisa é certa, já estamos todos cansados de ver a nossa querida Terra de lado, não tanto por culpa dela, mas por nós.
quinta-feira, 7 de outubro de 2004
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