quinta-feira, 30 de junho de 2005

Sinais Poveiros


Quando se fala(va) de civilização pensava-se imediatamente na escrita. Por uma razão muito simples e trivial: a escrita permite transmitir a outrem - que nos é desconhecido - eventual informação que lhe poderá ser útil. Hoje em dia o conceito de civilização é mais amplo, mas quando deparamos com formas de escrita, ditas primitivas, como os oghams dos celtas ou as runas dos povos germânicos ficamos fascinados. Essa "escrita" surge como mágica pois parecer conter uma sabedoria primitiva que nos escapa. Ora qual é a minha surpresa (= ignorância) quando descubro que, na Póvoa de Varzim, os pescadores utilizam sinais cuja origem remonta aos Vikings. Sigurd e Gudrun esperem um momento.... as runas de Varzim chamam por mim! :-) Posted by Hello

terça-feira, 28 de junho de 2005


Caspar David Friedrich Posted by Hello

Alteridade

"Apenas pela arte podemos sair de nós mesmos, saber aquilo que vê um outro desse universo que não é o mesmo que o nosso e cujas paisagens nos seriam tão estranhas como aquelas que existem na Lua. Graças à arte, em vez de contemplar um só mundo, o nosso, vemo-lo multiplicar-se e dispomos de tantos mundos quantos os artistas originais"
Marcel Proust, Le Temps retrouvé

segunda-feira, 27 de junho de 2005


Caspar David Friedrich Posted by Hello

Cair no "lado a lado"

Joyce utiliza duas enigmáticas palavras na passagem que citei do Ulisses: "Stephen fechou os olhos para ouvir as suas botas triturar crepitantes detritos e conchas. Caminhas de qualquer modo sobre isso. Eu, passo a passo. Um muito breve espaço de tempo através de muitos breves tempos de espaço. Cinco, seis: o Nacheinander. Exactamente: e essa é a inelutável modalidade do audível. Abre os olhos. Não. Meu Deus! Se eu cair sobre um penhasco que está suspenso pela sua base, caio inelutavelmente pelo Nebeineinander!" Nacheinander (um após o outro) e Nebeneinander (lado a lado). Os termos são de Lessing, extraídos da sua célebre obra, Laokoon. "Um após o outro" refere-se às artes do tempo, a saber, a poesia; "lado a lado" visa as artes do espaço, as artes plásticas. Joyce pega nesses dois conceitos e brinca com a nossa relação com o tempo (audição) e com o espaço (visão).

sábado, 25 de junho de 2005


Caspar David Friedrich Posted by Hello

Gary Snyder

"Um verdadeiro haiku tem de ser tão simples como papas de aveia e todavia fazer-te alcançar a coisa em si, como se calhar o maior haiku deles todos é provavelmente aquele que diz: "O pardal saltita pelo parapeito com patas molhadas". De Shiki. Vês as pegadas molhadas como uma visão no teu espírito e contudo nessas parcas palavras também vês toda a chuva que esteve a cair nesse dia e quase que consegues cheirar as agulhas húmidas dos pinheiros." (frase atribuída ao poeta americano Gary Snyder no romance de Jack Kerouac, Os Vagabundos do Dharma). Cf. ainda o sutra de Gary Snyder, um dos pais da "ecologia profunda".

segunda-feira, 20 de junho de 2005


Millais, "Rapariga Cega" Posted by Hello

Conchas

"As coisas vivas em contacto com o ar adquirem necessariamente uma cutícula, e não podemos acusar as cutículas pelo facto de não serem corações; contudo há certos filósofos que parecem acusar as imagens de não serem coisas, e as palavras de não serem sentimentos. As palavras e as imagens são como conchas, partes não menos integrantes da natureza do que as substâncias que as protegem, mas mais dirigidas ao olhar e mais expostas à observação."

George Santayana

domingo, 19 de junho de 2005


Burne-Jones, "A Princesa atada a uma árvore" (1866). O diáfano na pintura ou "a religião da beleza" na expressão de Umberto Eco. Pintura sobre as lendas de São Jorge e o Dragão. Posted by Hello

Diáfano

Quando Joyce escreve, "Estou aqui para ler as assinaturas de todas as coisas, ovas e sargaços, a maré que se aproxima, essa bota corroída", está provavelmente a pensar nas suas leituras do teósofo alemão Jakob Boehme. Também este falava de uma miríade de assinaturas no visível de uma realidade invisível. Mas rapidamente regressa a Aristóteles quando fala "nos corpos." "sinais coloridos. Limites do diáfano. Mas acrescenta: nos corpos. Então é porque tinha consciência deles, corpos, antes deles, coloridos. Como? Batendo com a cachimónia contra eles, é claro." Sobre o diáfano ou transparência em Aristóteles, diz-nos David Ross: "a transparência é agora tratada como estando, em maior ou menor grau, em todos os corpos quaisquer que estes sejam, e a cor é descrita como constituindo o limite do transparente nos corpos (isto é, no sentido em que o transparente está aprisionado nos corpos opacos), enquanto a luz constitui a actualidade do transparente na sua condição não limitada, isto é, tal como existe nos meios transparentes, como acontece com o ar e a água."

Caspar David Friedrich, Abadia numa Floresta de Carvalhos Posted by Hello

sábado, 18 de junho de 2005

Notas sobre o Bloomsday (1)

Primeira reflexão sobre o texto citado de Joyce no dia 16 de Junho (o Bloomsday). "Inelutável modalidade do visível" - a origem desta expressão tão pomposa é-me desconhecida, mas aqui Joyce (através do seu eterno alter ego, Stephen) pensa em Aristóteles. E, em particular, na obra conhecida pela designação latina, De Sensu et Sensibili. Se o ouvido pode participar e modificar o que ouve, a visão, pelo contrário, não. Daí esta "inelutável modalidade do visível". Por outro lado, Aristóteles parece insistir, neste tratado, que o essencial da visão transcende a cor. O que se vê então? Stephen pergunta-se então se não poderíamos conjecturar sobre a "inelutável modalidade do audível" quando fechamos os olhos.
Associações livres: o passeio pela praia de Sandymount (a poucos quilómetros de Dublin, no local em que o rio Liffey desagua). O nosso olhar quase consegue adivinhar a Inglaterra ali tão perto e omnipresente. Praia cinzenta, atmosfera cinzenta, areia escura, ar pesado sem ser sinistro que se estende até à torre do Ulisses. Uma placa antiga, cheia de ferrugem, dizendo que a praia é reservada a homens...:-). Nova associação: a alegria tão visível de uma jovem cega quando um dia lhe li esta passagem.

Raffaello Santi


Rafael, "Madona com romã". Pode ler-se no epitáfio do pintor: "Aqui jaz Rafael, pelo qual a mãe[-natureza] temeu ser ultrapassada enquanto em vida, e enquanto ele estava a morrer, temeu deixar-se morrer." Posted by Hello

quinta-feira, 16 de junho de 2005

Bloomsday

"Inelutável modalidade do visível: pelo menos, se não mais, pensado através dos meus olhos. Estou aqui para ler as assinaturas de todas as coisas, ovas e sargaços, a maré que se aproxima, essa bota corroída. Verderanho, azul de prata, ferrugem: sinais coloridos. Limites do diáfano. Mas acrescenta: nos corpos. Então é porque tinha consciência deles, corpos, antes deles, coloridos. Como? Batendo com a cachimónia contra eles, é claro. (...) Stephen fechou os olhos para ouvir as suas botas triturar crepitantes detritos e conchas. Caminhas de qualquer modo por sobre isso. Eu, passo a passo. Um muito breve espaço de tempo através de muitos breves tempos de espaço. Cinco, seis: o Nacheinander. Exactamente: e essa é a inelutável modalidade do audível. Abre os olhos. Não. Meu Deus! Se eu cair sobre um penhasco que está suspenso pela sua base, caio inelutavelmente pelo Nebeineinander! (...)Vê agora. Esteve ali todo o tempo sem ti: e existirá sempre, mundo sem fim. (...) Que palavra é essa que todos os homens conhecem? Eu aqui estou sozinho, quieto. E triste também. Toca, toca-me.
Deitou-se para trás, estendido ao comprido sobre as rochas cortantes, metendo as notas rabiscadas e o lápis num bolso, o chapéu caído sobre os olhos. Esse é o movimento de Kevin Egan, o que eu fiz, cabeceando pela sesta, sono sabático. Et vidit Deus et erant valde bona. Olá! Bonjour. Benvindo como as flores em Maio. Sob a aba do chapéu ele observou o sol do sul através de pestanas trémulas como o pavão. Estou apanhado nesta cena escaldante. A hora de Pan, o meio-dia dos faunos. Entre plantas serpentes, pesadas de goma, frutos ressudando leite, as folhas jazem, abertas nas águas douradas. A dor está longe.
E não mais de apartes a cogitar."
Joyce, Ulisses

quarta-feira, 15 de junho de 2005


Tibete Posted by Hello

Narciso botão de rosa


Narciso medieval. Esta iluminura do século XIV aparece numa das versões do "Romance da Rosa". Este "romance" é um poema alegórico que data do século XIII (o poeta Guillaume de Lorris foi o seu criador), no qual se retrata a paixão de um jovem por um botão de rosa. O mito de Narciso, na versão de Ovídio, é narrado longamente e o jovem está convicto de ter descoberto a mesma fonte em que Narciso se contemplou. Será, aliás, através dela que a sua paixão por botões de rosa eclode. É um dos clássicos da literatura do "amor cortês", onde se torna visível, talvez pela primeira vez, a relação entre o narcisimo e a paixão. Posted by Hello

segunda-feira, 13 de junho de 2005

A mais antiga civilização europeia

Se não fosse o blog Divas & Contrabaixos, a notícia ter-me-ia passado completamente ao lado. Foi descoberta a mais antiga civilização europeia numa zona que abrange a Alemanha Oriental (em particular, a zona de Dresden), a Áustria e a Eslováquia. A descoberta é tão recente que esta civilização ainda não tem nome. Adorava ver fotografias, saber se existia algum tipo de escrita nos 150 templos religiosos revelados, se havia algum contacto com os Sumérios,..., mil e uma questões que terão brevemente resposta.
"Nunca o verão se demorara
assim nos lábios
e na água
- como podíamos morrer,
tão próximos
e nus e inocentes?"
Eugénio de Andrade (1923-2005)

Álvaro Cunhal (1913-2005) será sempre recordado como uma das figuras centrais da história de Portugal e do movimento comunista internacional. Como pintor, ele foi um dos artistas mais significativos do neo-realismo português Posted by Hello

domingo, 12 de junho de 2005

Narciso de Poussin


Narciso de Poussin (c.1627). O quadro retrata a cena narrada nas Metamorfoses de Ovídio, na qual Cupido alveja Narciso como castigo divino (a deusa de Ramnonte, Némesis) pela sua indiferença em relação ao amor de Eco. Posted by Hello

Narciso de Turner


"Narciso e Eco" (1804?) de Turner (TatePosted by Hello

sábado, 11 de junho de 2005

Narciso em Pompeia


Representação de Narciso na casa de Loreius Tiburtinus em Pompeia. Neste estranho fresco, Narciso contempla algo distante enquanto a sua imagem já se encontra reflectida no lago, como se esta última estivesse pronta para o aprisionar. Posted by Hello

quarta-feira, 8 de junho de 2005

Narciso feminino


Um novo quadro de Waterhouse que retrata o mito de Narciso. Nesta obra deste pintor vitoriano, de clara inspiração pré-rafaelita, já não é representada a "tradicional" história de um jovem deslumbrado com a imagem reflectida num lago. Aqui, uma jovem (corê) colhe narcisos antes de ser raptada pelo deus da Morte. Esta versão do mito de Narciso, mais antiga, é-nos relatada nos chamados "Hinos Homéricos" (Hino a Deméter), bem anteriores ao texto de Ovídio. Mais importante do que a questão do "género" (masculino versus feminino), é significativa a presença desta relação tão estanha entre a atracção da beleza e a presença da morte. Posted by Hello

segunda-feira, 6 de junho de 2005


Narciso de Waterhouse Posted by Hello

As Ninfas da City

"Departed, have left no addresses.
By the waters of Leman I sat down and wept...
Sweet Thames, run softly till I end my song,
Sweet Thames, run softly, for I speak not loud or long.

Partiram [as ninfas] e não deixaram morada.
Junto às águas de Leman sentei-me e chorei...
Doce Tamisa corre suavemente até terminar a minha canção,
Doce Tamisa corre suavemente, pois não falo alto nem por muito tempo."

T.S.Eliot, The Waste Land, vv.181-184

domingo, 5 de junho de 2005

Metamorfose de Narciso


Dalí, "Metamorfose de Narciso" (1937), Tate Modern Posted by Hello

Spenser e Eliot

"Against their Brydale day, which is not long:
Sweete Themmes runne softly, till I end my Song"

"Em contraste com o seu dia nupcial que não é longo:
Doce Tamisa corre suavemente até eu terminar a minha canção."
Edmund Spenser, Prothalamion (1596), vv.17-18; 35-36...; 107-108

P.S. Eliot não esconde a influência destes versos numa das suas célebres notas a Waste Land.

sábado, 4 de junho de 2005


Caravaggio, "Narcissus" (1588-89) Posted by Hello

Némesis

"175 The nymphs are departed.
176 Sweet Thames, run softly, till I end my song.

175 As ninfas partiram.
176 Doce Tamisa corre suavemente até ao fim da minha canção"

T.S. Eliot, The Waste Land

quinta-feira, 2 de junho de 2005

Nigredo filosófico

"Quando estamos a pensar filosoficamente temos que descer até ao caos primordial e aí sentirmo-nos em casa."
Wittgenstein