sábado, 24 de julho de 2004

All that Jazz

Quando, ontem, vi o filme de Woody Allen, "Sweet and Lowdown" (com o título em português, "Através da Noite"), de 1999, recordei-me constantemente da questão central colocada por George Steiner na sua autobiografia (Errata): "Como compreender psicologicamente, socialmente, a capacidade dos seres humanos para interpretarem e serem sensíveis, por exemplo, a Bach ou Schubert, à noite, e para torturarem outros seres humanos no dia seguinte?” "Sweet and Slowdown" é um filme sobre jazz, sob a forma de um documentário sobre uma figura imaginária da música americana, "Emmet Ray". Este guitarrista, "o segundo melhor guitarrista de jazz no mundo" é, como pessoa, totalmente execrável. Dotado de um narcisismo inigualável, Emmet, sob a capa de "artista", trata tudo e todos como se fossem apenas extensões de si mesmo. Apenas parece temer Django Reinhardt, o guitarrista cigano que, nos anos 30 e 40, pontificou no Hot Club de Paris. Os passatempos preferidos de "Emmet"são matar ratazanas em lixeiras e ver passar comboios. Não só é um crápula, como a sua vida interior parece igual ou inferior a zero. E, no entanto, quando tem uma guitarra nas mãos, a sua música é de uma beleza sublime. Onde vai buscar a força e o encanto da sua inspiração musical? É verdade que, como todos os grandes narcisistas, Emmet é cruel, não tanto por maldade intencional, mas por causa da sua "eterna inocência". A seu lado, estará uma das criações mais encantadoras do cinema contemporâneo, Hattie (interpretada por Samantha Morton, a profetisa "Agatha" do "Relatório Minoritário"). Hattie parece retirada directamente de um dos desses filmes cheios de ternura dos anos 30. Ela é a companheira de Emmet e, como no filmes antigos, é muda. Este não é um dos melhores filmes de Woody Allen, mas é, sem dúvida, um dos seus trabalhos mais interessantes. A sua força não está na narrativa, antes em pequenos "pormenores" que "rodeiam" a acção cinematográfica: em primeiro lugar, a intensidade e beleza das imagens naturais - Woody Allen é um realizador urbano e, no entanto, a beleza natural é filmada como ninguém; em segundo lugar, a criatividade e o encanto da música que percorre o filme de ponta a ponta; finalmente, as interpretações fabulosas de Sean Penn e Samantha Morton. Perguntaram a Woody Allen, por que razão não interpretou o papel de "Emmet Ray"? A resposta é directa e magnífica: precisava, para este papel, de um actor excepcional. E encontrou-o!

Sem comentários: