sábado, 24 de abril de 2010

O Mito de Izanagi e Izanami


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Kobayashi Eikatu (c.1885)

"No início não existe nada senão um ovo disforme. Gradualmente, as partes mais brilhantes e mais claras elevam-se para formar o céu e as mais densas e opacas caem para formar a terra. Três deuses criam-se «por si próprios» e escondem-se no céu.
A terra ainda não é sólida e pedaços andam à deriva. Então surge um objecto, flutuando entre o céu e a terra, que parece ser o disparo de uma flecha. Desta, nascem dois novos deuses que também se escondem. Sete outras gerações nascem da mesma maneira e o último par é Izanagi e Izanami.
Esses dois deuses ficam de pé sobre «a ponte flutuante do céu» interrogando-se se existiria alguma coisa lá em baixo. Então, agarram num dardo de pedras preciosas e mergulham a ponta no mar para ver se existe alguma coisa. Quando puxam, na ponta tinha-se formado uma gota que, ao cair, dá origem à ilha Onokoro. Izanagi e Izanami já tinham um lugar para viver e, por isso, descem até à ilha. Espetam o dardo no solo para formar um pilar.
Decidem gerar crianças para formar mais ilhas e, para isso imaginam um ritual de casamento. Dão a volta ao pilar, em direcções opostas. Quando se encontram, Izanami diz: «Que lindo! Encontrei um bonito jovem.» Então têm relações sexuais. Eles chegam a acordo em como fazê-lo porque descobrem que o corpo de Izanami é mal formado na zona em que Izanagi é demasiado formado; então, decidem que a melhor ideia será juntar estas duas partes do corpo. Isso resulta e Izanami dá à luz.
Mas, em vez de criarem uma ilha, como eles desejavam, Izanami dá à luz uma criança deformada. Colocam-na numa canoa e deixam-na ir à deriva. (Existe um antigo ritual japonês que envolve a criação de uma figura de barro quando uma criança nasce, que é deixada à deriva numa canoa como bode expiatório.) Izanagi e Izanami vão consultar os deuses para saber o que tinham feito de errado. Os deuses, então, explicam que a culpa fora de Izanami, porque ela fora a primeira a falar quando se tinham encontrado à volta do pilar. Como explicam os deuses, a mulher não deve ser a primeira a falar. Se quisessem ter filhos saudáveis deveriam tentar outra vez, mas teria de ser Izanagi o primeiro a falar.
Os dois deuses regressam à terra e tentam novamente. Desta vez tudo corre bem e Izanami dá à luz a ilha do Japão. Então, ela e Izanagi decidem criar deuses para povoarem as ilhas. Criam numerosos deuses - o vento, as árvores, os rios e as montanhas - e a criação das ilhas fica completa. (...) A última criança que Izanami dá à luz é o deus do fogo. O seu nascimento queima os seus órgãos genitais com tanta gravidade que ela acaba por morrer. Mas, depois de morta, ela continua a criar deuses através da urina, dos excrementos e dos vómitos. Izanagi fica tão furioso que corta a cabeça ao deus do fogo; mas as gotas do seu sangue dão origem a ainda mais divindades.
Izanagi está tão desesperado com a morte de Izanami que decide viajar até Yoni, o mundo subterrâneo, para tentar trazê-la de volta à vida. Quando chega aos portões do mundo subterrâneo, depois de uma longa viagem, Izanami vem ao seu encontro. Ele mal a pode ver porque o local é muito escuro e cheio de sombras, mas diz-lhe o quanto a ama e como deseja que ela regresse com ele. Contudo, ela repreende-o por ter levado tanto tempo a chegar e diz-lhe que não está autorizada a regressar com ele porque tinha comido o alimento de Yoni.
Mas ele convence-a a discutir o assunto com os deuses do Inferno. Então, ela obriga-o a prometer que não tentará segui-la até ao mundo subterrâneo nem olhará para ela. Ele concorda mas não resiste ao pensamento de que aquela poderá ser a última vez que verá a sua amada esposa. Parte um dente do seu pente e faz uma tocha. Entra no mundo subterrâneo e vê o corpo de Izanami deitado, apodrecido e cheio de larvas. Horrorizado, corre de regresso à terra.
Izanami levanta-se e grita-lhe que ele a tinha humilhado. Envia as feiticeiras do Inferno atrás dele, com oito deuses do trovão. Izanagi alcança o fim da passagem e apanha três pêssegos de uma árvore; faz recuar os seus perseguidores atirando-lhes os pêssegos. Então, bloqueia a entrada do mundo subterrâneo com uma enorme pedra no preciso momento em que Izanami chega ao outro lado.
Falam um com o outro através da grande rocha.
Izanami diz a Izanagi que ele deve aceitar a sua morte. Ele aceita e concorda em não tentar visitá-la novamente. Então, formalmente, dão o seu casamento por terminado.
Depois disto, Izanagi sente-se tão exausto que decide lavar-se e refrescar-se num ribeiro. Vários deuses e deusas nascem das suas roupas quando ele se despe, do seu cajado quando o ele o pousa no chão e do seu corpo enquanto ele se banha. Finalmente, do seu olho esquerdo nasce a deusa Amaterasu, do olho direito o deus da Lua, Tsukiyomi, e do seu nariz o deus da tempestade Susanoo.
Izanagi decide dividir o mundo em três. Indigita Amatesaru para governar o céu, Tsuki Yomi para governar a noite e Susanoo para governar os mares. Amaterasu e Tsuki-Yomi concordam mas Susanoo queixa se dizendo que preferia ir para terra da sua falecida mãe. Izanagi, furioso, elimina Susanoo. Então, retira se do mundo e vai viver para o alto céu. [...]
Quando Izanagi afasta Susanoo, este anuncia que quer ir para o céu e despede-se da irmã Amaterasu antes de partir. Ela suspeita das intenções dele e, antes de ir ao seu encontro arma-se com um arco e flechas.
Susanoo diz-lhe que ela não tem nada que recear e sugere que ele lhe dê uma prova da sua boa-fé. Ele propõe que ambos criem crianças e que ele produzirá crianças masculinas para provar a sua sinceridade. Amaterasu concorda e pede a espada ao irmão. Ele dá-lha, ela parte-a em três pedaços e mastiga cada pedaço, e o seu sopro dá origem a três deusas.
Então, Susanoo pede a Amaterasu cinco contas do seu colar . Ele mastiga-as e o seu sopro transforma-se em cinco deuses. Amaterasu reclama que aqueles deuses eram seus filhos porque tinham sido criados a partir das contas do seu colar. Mas Susanoo não está de acordo e afirma ter obtido uma grande vitória. Então, celebra, começando a partir os muros dos campos de arroz, bloqueando os canais de irrigação e defecando no templo onde o festival dos primeiros frutos, ou o festival das colheitas, devia ter lugar em breve.
Uma das obrigações de Amaterasu é tecer as roupas dos deuses. Um dia, está sentada no quarto de fiar com outras mulheres quando Susanoo lança um cavalo esventrado através do telhado. É tão assustador que uma das mulheres se pica com uma agulha e morre. Amaterasu fica tão assustada que se esconde numa gruta, bloqueando a entrada com uma enorme rocha. Sem a deusa do Sol, o mundo mergulha na escuridão.
Surge o caos, os campos de arroz jazem sem culturas, os deuses perversos comportam-se pior do que nunca. Reúne-se uma assembleia de oitocentos deuses miríades para discutir a maneira de persuadirem Amaterasu a sair da gruta e elaboram um plano.
Começam por colocar um espelho mágico no lado de fora da gruta. Em seguida, juntam galos para cantarem no lado de fora da gruta. Depois convencem a deusa do amanhecer, Amo no-Uzume, a dançar sobre um barril, batendo com os pés. Quando se entusiasma, ela começa a tirar as roupas e os deuses começam a rir ruidosamente.
Tal como os deuses pretendiam, Amaterasu sai da gruta para perguntar o que estava a acontecer. Eles respondem que estão a celebrar porque tinham encontrado uma deusa melhor do que ela. Quando sai da gruta, ela vê o seu reflexo no espelho mágico. Então, os deuses aproveitam para bloquear a entrada da gruta atrás dela, conseguindo ter o Sol de volta.
Os oitocentos deuses miríades castigam Susanoo, cortando-lhe a barba e o bigode, arrancando lhe as unhas dos pés e das mãos e expulsando-o do céu."

Roni Jay, Mitologia, tr.port., Lisboa: Europa América, 2000, 140-144

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