domingo, 15 de junho de 2008
Metamorfoses
"Trabalha-se tão exageradamente no emprego que, depois, até se está demasiado cansado para gozar bem as suas férias. Mas, por muito que se trabalhe, ainda não se obtém o direito de ser tratado por todos com carinho; pelo contrário, está-se só, inteiramente ignorado e mero objecto de curiosidade. E enquanto disseres a gente (man) em vez de eu (ich), isso não é nada e pode-se recitar essa história, mas assim, que confessares a ti que és tu próprio, então, és autenticamente trespassado e ficas aterrorizado… Mas se eu próprio distingo entre a gente (man) e eu (ich), como posso, depois queixar-me dos outros? Talvez eles não sejam injustos, mas estou cansado de mais para me dar conta de tudo. …
Não posso fazer como sempre fazia em criança ante tarefas perigosas? Não preciso sequer de ir eu próprio ao campo, isso não é necessário. Mando o meu corpo vestido. Se ele vacilar a caminho da porta do meu quarto, o seu vacilar não revela medo, mas a sua nulidade. Também não é aflição se ele tropeçar na escada, se for para o campo a soluçar e se lá comer a chorar a sua ceia. Pois eu, eu estou, entretanto, deitado na minha cama, bem tapado com uma manta amarelo-acastanhada, exposta ao ar que sopra através do quarto pouco aberto.
Tenho, quando estou deitado na cama, a forma duma grande carocha, duma vaca-loira ou de um besouro, creio eu. ...
De uma carocha de grande tamanho, sim. E depois fazia como se se tratasse de uma hibernação e encostava as minhas perninhas ao meu corpo abaulado. E sussurro um pequeno número de palavras, que são instruções para o meu triste corpo, o qual se encontra mesmo junto de mim e está curvado. Em breve, acabarei – ele inclina-se, vai-se embora suavemente e executará tudo da melhor maneira, enquanto eu descanso."
Kafka, Preparativos de Noivado no Campo
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário