domingo, 22 de junho de 2008

A Tília



O blog Diz que não gosta de música clássica? tem vindo a publicar calmamente o ciclo de canções de Schubert, Winterreise (Viagem de Inverno). Uma das canções mais belas do Winterreise é "A Tília" (Der Lindenbaum). Trata-se de um dos poucos casos em que um tema musical clássico se tornou numa canção popular (Volkslied). O autor do blog em questão (Fernando Vasconcelos) não só apresenta uma tradução portuguesa do poema de Wilhelm Müller utilizado por Schubert, como faz referência a uma interpretação muito heterodoxa desta canção. Trata-se da versão da grande cantora grega Nana Mouskouri. É uma interpretação muito bela e original que, como alguém disse algures, apetece estar sempre a ouvir. Pode parecer um lugar-comum, mas ouve-se a "Alemanha" nesta canção. Mas ouve-se também a morte... Thomas Mann, na Montanha Mágica, mostra-nos, quase no final do romance, como a Tília sugere a Hans Cartorp a morte, para lá da sua beleza. Quando li essa passagem pensei apenas que o escritor mais uma vez sublinhava a relação central entre a cultura e a morte, um dos temas centrais do seu pensamento. Agora ao confrontar-me com os versos do poema - que reproduzo na tradução referida - percebo como A Tília é, no essencial, um Canto das Sereias que, como um sortilégio, nos parece convocar para a paz da morte nos momentos de maior aflição.

A Tília

Junto ao poço do portão
ergue-se uma tília;
quantos sonhos doces
embalei à sua sombra.
Em seu tronco gravei
muitas palavras de amor;
na dor e na alegria
para ela sempre corri.

Hoje passei por ela
no meio da noite profunda
e mesmo na escuridão
tive que fechar os olhos.
E seus galhos sussurravam
como se me chamassem:
"Venha para cá, amigo,
aqui encontrará a paz".

Os ventos frios sopravam
na minha face,
o chapéu voou-me da cabeça,
mas não me voltei para trás.
Agora estou a muitas horas
de distância daquele lugar
mas continuo a ouvir o sussurro:
"Aqui você encontrará a paz !"

Der Lindenbaum

Am Brunnen vor dem Tore,
Da steht ein Lindenbaum,
Ich träumt' in seinem Schatten
So manchen süßen Traum.
Ich schnitt in seine Rinde
So manches liebe Wort,
Es zog in Freud' und Leide
Zu ihm mich immer fort

Ich mußt' auch heute wandern
Vorbei in tiefer Nacht
Da hab' ich noch im Dunkel
Die Augen zugemacht.
Und seine Zweige rauschten,
Als riefen sie mir zu:
Komm her zu mir, Geselle
Hier find'st du deine Ruh'!

Die kalten Winde bliesen
Mir grad' ins Angesicht,
Der Hut flog mir vom Kopfe,
Ich wendete mich nicht.
Nun bin ich manche Stunde
Entfernt von diesem Ort,
Und immer hör' ich's rauschen:
Du fändest Ruhe dort!

5 comentários:

afhahqh disse...

Qual a relação central entre a cultura e a morte? (Será por a morte estar muito presente na cultura? Talvez não, não sei, pergunto)

A paz da morte... uma ideia bela! O nada, a extinção, pacificação total, não sofrimento... e palavras para dizer o inefável e o que desconhecemos?

Abraço, Nuno.

P.S. abrem-se, constantemente, portas para o infinito (que tenho vindo a pensar, no últimos dias, como o indefinido, mas indefinivel). Há dias, na Serpente, disse que via Cristo como pessoa e alguém, um comentador, disse que se o via como pessoa não o via. Desde esse dia, tenho andado a pensar que é mais uma porta para o infinito.

Bhixma disse...

Thomas Mann pensava que a cultura era a "montanha mágica" situada sobre um vale de guerras, violência e sofrimento. No final do romance, pergunta-se se terá de ser sempre assim.
P.S. é uma ideia bela, mas nunca esquecer que a Tília é um canto das sereias...

Marta Rema disse...

Que belo post... E especial também porque é inspirado noutro. O poder da comunhão! Abraço

Urban Cat disse...

Beijos :)

afhahqh disse...

Canto das sereias as in "ilusão"? A paz da morte... será uma ilusão? Seja como for, uma paz que tentamos ter em vida...