domingo, 9 de março de 2008
Diante da Lei
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Fotografia de nat_olly na Austrália.
«Diante da Lei está um porteiro. Um homem do campo acerca-se dele e pede-lhe que o deixe entrar na Lei. Mas o porteiro diz-lhe que agora não o pode deixar entrar. O homem reflecte e pergunta se poderá, então, entrar mais tarde. 'É possível', diz o porteiro, 'mas agora não'. Como o portão da Lei se encontra, como sempre, aberto e o porteiro se afasta para o lado, o homem inclina-se e olha para dentro através do portão. Assim que o porteiro repara nisso, ri-se e diz-lhe: 'Se te atrai assim tanto, experimenta então entrar, apesar da minha proibição. Mas repara: eu sou forte. E sou apenas o porteiro mais ínfimo. De sala para sala há, porém, outros porteiros, cada um deles mais forte do que o outro. Até eu próprio já não consigo suportar o aspecto do terceiro porteiro'. (...) O porteiro dá-lhe um banco e permite que ele se sente ao lado da porta. Fica ali sentado durante dias e anos. Faz muitas tentativas para ser admitido e cansa o porteiro com os seus pedidos. (...) Nos primeiros anos, amaldiçoa indelicadamente em voz alta o acaso infeliz e a falta de consideração, e mais tarde, à medida que envelhece, apenas resmunga. (...) Por fim, a sua vista enfraquece e já não sabe se escurece realmente ou se são apenas os seus olhos que o enganam. Agora, porém, reconhece na escuridão um brilho que, inextinguível, irrompe através das portas da Lei. Mas ele já não viverá muito mais. Antes de morrer, todas as suas experiências durante aquele tempo convergem para uma pergunta que até agora ainda não tinha colocado ao porteiro. Faz-lhe um sinal para que se aproxime, pois o seu corpo entorpecido já não consegue endireitar-se mais. O porteiro tem de curvar-se profundamente, pois a diferença de estatura alterara-se bastante em desfavor do homem. 'Que mais queres ainda saber?' pergunta o porteiro, 'és insaciável'. 'Todos se esforçam por alcançar a Lei' diz o homem 'então, como é possível que, durante estes anos todos, ninguém, a não ser eu, pedisse para entrar?' O porteiro reconhece que ele já está próximo do seu fim e (...) berra-lhe: "Aqui mais ninguém poderia ser admitido, pois esta entrada era apenas destinada a ti. Agora vou-me embora e fecho-a."
Kafka, "Diante da Lei" - conto retomado no Processo.
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