O blog Kitschnet citou, no seu último post (9 de Fevereiro), o psicólogo norte-americano Joshua D. Green e a sua reinterpretação neuroética do problema filosófico do "Trolley" ("carro eléctrico", numa tradução livre).
Esse problema foi formulado, pela primeira vez, pela filósofa britânica Philippa Foot no seu artigo "The Problem of Abortion and the Doctrine of the Double Effect" (Virtues and Vices, Oxford, Blackwell, 1978). A questão foi retomada intensivamente pela filósofa norte-americana do MIT Judith Jarvis Thomson.
Qual é o problema?
Um carro eléctrico move-se descontrolado numa linha. No seu caminho estão cinco pessoas a trabalhar e essas pessoas vão certamente morrer. Só que você, no limite, pode desviar o carro eléctico para uma outra linha onde se encontra apenas uma pessoa. Acha que deve desviar o carro eléctrico?
Utilizemos uma ilustração de Joshua Green:
A grande maioria das pessoas não hesitaria em responder que sim.
Agora imagine-se a variante pensada por Judith Jarvis Thompson:
Um carro eléctrico move-se descontroladamente em direcção a cinco pessoas. Você está numa ponte por cima da linha onde se encontra igualmente outra pessoa, bem gordinha. A única hipótese razoável de parar o carro eléctrico é empurrar o gordo de forma a que ele caia na linha, abrandando o movimento do carro e salvando as outras cinco pessoas. Acha que deve empurrá-lo e, assim, matá-lo?
Novamente uma imagem de Joshua Green:
Aqui as posições dividem-se. Umas pessoas dizem que sim; a maioria diz que não. E, no entanto, o problema ético é o mesmo. A única diferença é que, no primeiro caso, a acção é feita à distância, sem contacto com a vítima; no segundo caso, pode-se dizer que há um "toque pessoal"...
Através de várias experiências, Joshua Green mostrou que as áreas do cérebro que se activam, no primeiro caso, são diferentes das do segundo. E a razão é simples: a decisão no segundo caso desperta emoções muito mais fortes do que no primeiro.
Poder-se-á concluir que as nossas decisões morais não são habitualmente racionais (apesar de nós pensarmos que sim), mas apenas fundadas nos diferentes contextos afectivos? E, se é assim, não deveriam basear-se em critérios éticos racionais?
Mas observemos uma terceira variante do caso, descrita por Philippa Foot:
Um médico pode salvar cinco doentes terminais transplantando cinco órgãos de uma pessoa saudável. Pode fazê-lo, sem o consentimento desta última?
Em termos racionais, não vejo grande diferença em relação aos dois casos anteriores, mas quase todos nós rejeitaríamos moralmente esta hipótese...
Como sair deste impasse? Embora Joshua Green pareça, no limite, inclinar-se para uma solução utilitarista, relembro a intenção de Philippa Foot: mostrar que as soluções utilitaristas (uma acção é correcta quando aumenta o bem para o maior número possível de pessoas) e dentológicas (uma acção é correcta quando respeita a dignidade pessoal) são sempre soluções possíveis, mas limitadas. Segundo ela, precisamos de uma nova teoria ética, a que ela designou, na linha de Anscombe, ética das virtudes.
4 comentários:
Porque é que nestes dilemas não se inclui a hipótese do auto-sacrifício?
Porque o que está em causa não é o conflito entre egoísmo e altruísmo, mas, sim, o direito de matar para poder salvar outros.
Acho que as pessoas sentem os dois casos como muito diferentes não tanto pelo "toque pessoal" mas porque a alegação da vítima ser gorda não é suficientemente verosímil (trata-se de parar um eléctrico e tanto faz a pessoa ser magra ou gorda)tornando-se claro para o decisor que também poderia contemplar o auto-sacrifício. O primeiro caso trata do direito de provocar uma morte para salver outros enquanto no segundo está também presente o conflito entre egoísmo e altruísmo
Se eu tenho a crença, no segundo caso, de que o acto de empurrar a pessoa gorda não vai alterar nada, então não vejo qualquer razão nem para a empurrar nem para me auto-sacrificar... mas se eu tenho a crença de que ao empurrar a pessoa gorda posso evitar um acidente maior, então o problema ético do direito de matar surge com toda a nitidez. A reacção emotiva no segundo caso é, no fundo, bem conhecida, embora só agora tenha sido estudada em termos neuroéticos. Por exemplo, um piloto de guerra pode causar a morte a milhares de pessoas com grande frieza; mas se tivesse que matar as mesmas pessoas face a face, a situação emotiva seria totalmente diferente... onde poderia invocar a questão do altruísmo, seria hipoteticamente no terceiro caso; mas mesmo aqui não é o par egoísmo/altruísmo que está em causa.
Enviar um comentário