
Uma "visão" (veduta) de Canalleto (clique na imagem e tente vê-la a 100%)
Desejo aos pacientes leitores do Expresso do Oriente um Feliz 2006.























A lenda do ser errante, como é o caso do holandês amaldiçoado, pode ter raízes míticas mais fundas. Lembrei-me que, na grande epopeia indiana Mahabharata, o filho de Drona, Ashvatthaman, é amaldiçoado por Krishna. Com efeito, Ashvathaman lança a sua temível arma sobre os ventres das mulheres dos poucos Pandavas que sobreviveram ao seu massacre, com o objectivo de que elas nunca mais tenham filhos. Para evitar o fim dinástico dos Pandavas, Krishna promete ressuscitar o feto que a nora de Arjuna, Uttara, traz no ventre e que terá o nome de Parikshit. Ora, pelo seu acto, Ashvattaman é condenado por Krishna a vaguear sozinho e errante até ao fim dos tempos. Aqui não existe Senta nem o seu amor redentor do Navio Fantasma de Wagner, mas o mito é, no essencial, o mesmo. A fotografia é a do personagem Ashvatthaman na recriação teatral do Mahabharata por Peter Brook (agora em DVD, na zona 2).
Hoje, em Bayreuth, é dia do "Navio Fantasma" ou, se se preferir, do "Holandês errante". Wagner baseia-se numa lenda de marinheiros que remonta provavelmente a 1641, quando o capitão holandês Van der Decken naufragou no Cabo da Boa Esperança. Ao que parece, o capitão, temendo naufragar, amaldiçoou-se dizendo que navegaria até aos fim dos tempos. O mais curioso é que o Navio Fantasma é ciclicamente avistado. São famosos os avistamentos deste holandês errante pelo rei Jorge V de Inglaterra e por um submarino alemão na segunda guerra mundial. Em termos arquetípicos, esta lenda cruza-se com outras similares, como é o caso do "judeu errante". Errante era vida de Wagner quando compôs esta obra, fugindo aos credores...:-) quase todas as pessoas que viram esta ópera romântica sabem trautear um pouco da sua música.
Enquanto aguardamos pelos acordes do Parsifal em Bayreuth (29 de Julho), com a polémica encenação de Schlingensief, relembro que saiu um cd de música de Wagner com temas escolhidos por este enfant terrible do teatro alemão. Fui logo ouvir o tema seleccionado do Parsifal, "Mein erstes Amt" (Acto III) e a escolha não poderia ser mais sublime! Wagner no seu melhor.
O blog Wagner Operas apresenta mais imagens do Tristão e Isolda, na interpretação do suíço Christoph Marthaler. Mais uma vez se vê a sombra do Anel de 76 sobre as novas produções wagnerianas. Mas enquanto a versão de Patrice Chéreau era brilhante em termos estéticos, sabendo combinar genialmente o sublime e o neoclassicismo, as "cópias" são exactamente aquilo que são: cópias.

Terminou há poucos minutos o Tristão e Isolda de 2005. Como não temos imagens, o Expresso do Oriente, para celebrar o início do festival de Bayreuth, reproduz uma imagem da versão de Wieland Wagner (1962), o neto, já falecido, do compositor. Amanhã teremos novamente o Parsifal de Schlingensief.