Ontem, decidi finalmente ver o polémico filme de Mel Gibson, A Paixão de Cristo. Vários amigos, alguns deles católicos, alertaram-me para a natureza integrista (=fundamentalista?) e anti-semita do filme. Se a memória não me falha, o Padre Stilwell, Presidente da Faculdade de Teologia da Universidade Católica, sublinhou a interpretação muito sui generis do Cristianismo de Mel Gibson, visão próxima do culto, ainda hoje praticado em muitos países sul-americanos, ao poder redentor do "Sagrado Coração de Jesus". Outros ainda, sublinharam que Gibson utilizou o nosso fascínio doentio pela violência para abordar a paixão de Cristo e, deste modo, obter um bom rendimento comercial com a sua obra. Duvido sinceramente que tenha sido essa a intenção do realizador, mas, como se costuma dizer, as obras ultrapassam sempre os objectivos dos seus criadores.
Apesar de todas estas advertências, decidi vê-lo, mais não seja porque acho importante que todos nós, qualquer que seja a nossa crença, pensemos nos múltiplos significados associados a essa "passagem" que é a Páscoa. O começo do filme pareceu-me prometedor: as imagens iniciais são de grande beleza e a descrição da angústia humana de Jesus, da sua solidão, é muito bem conseguida psicológica e visualmente. Segundo Kierkegaard, é a angústia e a solidão vivida nos jardins de Getsemani que constitui um dos momentos cruciais da identidade religiosa cristã. Mel Gibson, apreendendo a analogia, mesmo que inversa, entre este jardim da angústia e o edénico, introduz uma figura demoníaca que dialoga, naquele momento, com Jesus. A dado momento, uma serpente aproxima-se de Jesus, fazendo novamente eco da analogia bíblica. Qual é a atitude de Jesus no filme? Esmagar pura e simplesmente a serpente com os seus pés... o significado alegórico é óbvio e trivial, mas o seu efeito simbólico é de tal modo terrível que decidi, nesse preciso instante, terminar o visionamento do filme. Nesta paixão de Gibson, a violência é a última palavra contra o mal. E recordei-me de um outro filme, o Pequeno Buda de Bertolucci que nos conta um mito tradicional do budismo. Uma enorme serpente, a "cobra" indiana, com a sua enorme cabeça, protege Siddharta Gautama, o futuro Buda, de uma chuva torrencial, permitindo que este último medite sobre as razões do sofrimento no mundo. Na cena atrás descrita, Gibson revelou que talvez estivesse a falar da sua paixão, mas não daquela que deu sentido à bondade e à compaixão que animaram a vida desse judeu, nascido em Betselem, Yeshua ben Yosef, Jesus filho de José (e, já agora, também de Miryam).
3 comentários:
Sou católica e vi o filme de Mel Gibson quando ele saiu, há cerca de um ano. Achei-o um filme brutal mas, ao contrário de muita gente (em particular, não católicos), não o achei violento.
A paixão de Cristo foi brutal porque se destinou a vencer o pecado e a morte, para nos chamar à glória de geração escolhida, sacerdócio real, nação santa, povo resgatado (refiro S. Paulo de cor). Para nos abrir as portas do céu e da intimidade com a vida de Deus. Para nos salvar.
Esse Cristo que nos salvou não era apenas manso e humilde de coração, foi também duro quando foi necessário: como quando chamou Satanás a Pedro, o discípulo que colocaria à frente da sua Igreja; como quando chamou raça de víboras aos fariseus; como quando expulsou do templo, a golpes de chicote, os vendilhões; foi Ele próprio que disse que não veio trazer a paz, mas a espada, e que o reino de Deus é dos violentos.
Este Cristo por quem as crianças se sentiam atraídas pôs como condição para O seguir tomar a cruz de cada dia; e a paz que nos deixou é a Sua, e não a paz que dá o mundo.
Este Cristo sabia que há momentos das nossas vidas em que temos de dizer que não! - temos de dizer que não ao tentador sem dialogar com ele. No Jardim das Oliveiras, teve a tentação de dizer que não a Deus Pai que Lhe pedia o sacrifício brutal da Sua vida e respondeu ao tentador que não! - sem dialogar com ele, talvez porque, como nós tantas vezes, duvidava de que tivesse forças para vencê-lo pela persuasão.
O cristianismo de Mel Gibson (na Paixão), para além de estar totalmente de acordo com a tradição, espelha de modo reconfortante aquilo que são as nossas fraquezas e a doçura do amor divino.
Desculpa se pareço estar a dar um sermão, mas trata-se da minha família, da Igreja a que pertenço -e cujo Fundador continua de braços abertos sobre a cruz para receber todos os seus filhos, pois a salvação é para todos. Mas é preciso aceitar as condições que Ele impôs. Na Paixão, Mel Gibson limita-se a expô-las.
Sou católica e vi o filme de Mel Gibson quando ele saiu, há cerca de um ano. Achei-o um filme brutal mas, ao contrário de muita gente (em particular, não católicos), não o achei violento.
A paixão de Cristo foi brutal porque se destinou a vencer o pecado e a morte, para nos chamar à glória de geração escolhida, sacerdócio real, nação santa, povo resgatado (refiro S. Paulo de cor). Para nos abrir as portas do céu e da intimidade com a vida de Deus. Para nos salvar.
Esse Cristo que nos salvou não era apenas manso e humilde de coração, foi também duro quando foi necessário: como quando chamou Satanás a Pedro, o discípulo que colocaria à frente da sua Igreja; como quando chamou raça de víboras aos fariseus; como quando expulsou do templo, a golpes de chicote, os vendilhões; foi Ele próprio que disse que não veio trazer a paz, mas a espada, e que o reino de Deus é dos violentos.
Este Cristo por quem as crianças se sentiam atraídas pôs como condição para O seguir tomar a cruz de cada dia; e a paz que nos deixou é a Sua, e não a paz que dá o mundo.
Este Cristo sabia que há momentos das nossas vidas em que temos de dizer que não! - temos de dizer que não ao tentador sem dialogar com ele. No Jardim das Oliveiras, teve a tentação de dizer que não a Deus Pai que Lhe pedia o sacrifício brutal da Sua vida e respondeu ao tentador que não! - sem dialogar com ele, talvez porque, como nós tantas vezes, duvidava de que tivesse forças para vencê-lo pela persuasão.
O cristianismo de Mel Gibson (na Paixão), para além de estar totalmente de acordo com a tradição, espelha de modo reconfortante aquilo que são as nossas fraquezas e a doçura do amor divino.
Desculpa se pareço estar a dar um sermão, mas trata-se da minha família, da Igreja a que pertenço -e cujo Fundador continua de braços abertos sobre a cruz para receber todos os seus filhos, pois a salvação é para todos. Mas é preciso aceitar as condições que Ele impôs. Na Paixão, Mel Gibson limita-se a expô-las.
Eu ainda não vi o filme mas não posso deixar de me sentir atraida por um "produto" que suscita reacções tão violentas de adesão ou repulsa... (ou talvez possa?
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