"Sabemos que a Sexta-feira significa, para os cristãos, o dia da Crucificação. Mas o não-cristão, o ateu, conhece-a também. Conhece a injustiça, o sofrimento interminável, a destruição, o enigma brutal do fim, dimensões que constituem claramente, não apenas a dimensão histórica da condição humana, mas também o tecido quotidiano da nossa existência individual. Conhecemos, de uma forma inelutável, a dor, o fracasso do amor, a solidão que são, ao mesmo tempo, a nossa história e o nosso destino particular. Conhecemos também o Domingo. Para o cristão, esse dia significa uma evocação, ao mesmo tempo garantida e precária, ao mesmo tempo evidente e incompreensível, da ressurreição, de uma justiça e de um amor que venceram a morte. Se não somos cristãos ou crentes, conhecemos este domingo de uma forma análoga. Concebemo-lo como sendo o dia da libertação da inumanidade e da servidão. Procuramos por isso caminhos, terapêuticos e políticos, sociais ou messiânicos. (...) Mas a nossa época é a do longo dia de Sábado. Entre o sofrimento, a solidão, a devastação inexprimível, por um lado, e o sonho da libertação, de renascimento, por outro. Diante da tortura de uma criança, da morte do amor que representa a Sexta-feira, mesmo as maiores formas de arte e de poesia estão quase sem recursos. Na utopia do Domingo, a estética, presumo, não terá mais razão de ser. As apreensões e as figurações que estão em jogo na imaginação metafísica, no poema, na composição musical, que falam da dor e da esperança, da carne que tem o gosto da cinza e do espírito que tem o sabor do fogo, são sempre obras do Sábado. Irromperam da expectativa imensa que é a expectativa do homem. Sem elas, como poderíamos esperar com paciência?"
George Steiner, Presenças Reais. As Artes do Sentido, trad.port., Lisboa, Presença, 1991, p.205
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