"Celebramos cada momento
dos nossos encontros como epifanias,
apenas nós os dois em todo o mundo.
Audaciosa e mais leve do que a asa de um pássaro,
pela escada abaixo, corrias com uma vertigem
através do lilás húmido até ao teu reino
escondido atrás do espelho.
Quando a noite chegava, a graça obsequiava-me,
as portas do santuários eram abertas.
Brilhando na noite, a tua nudez inclinava-se suavemente;
acordando, dizia:
"Bendita sejas!"
Era ousada a minha bênção: tu dormias.
E o lilás inclinava-se para ti através da mesa
para cobrir as tuas pálpebras com o azul universal;
as tuas pálpebras pintadas de azul
estavam calmas e a tua mão era quente.
E no cristal vi o pulsar dos rios,
montes fumegando e mares bruxuleantes;
segurando na tua mão aquela esfera cristal,
adormecias no teu trono.
E - Deus seja louvado! - tu eras minha.
Acordando, tu transformavas
o vocabulário corrente dos humanos
até a sua linguagem ser plena e a palavra "tu"
revelar novos significados: significava rainha.
Tudo no mundo era diferente,
mesmo as coisas mais simples - o jarro, a bacia -
enquanto a água sólida, estratificada, fluía entre nós,
como uma sentinela.
Fomos levados sabe-se lá para onde.
Diante de nós foi aberta, como numa miragem,
cidades de encanto construídas,
a hortelã espalhava-se aos nossos pés,
pássaros viajam connosco,
peixes saudavam-nos do rio,
os céus aos nossos olhos se rasgavam...
Enquanto, atrás de nós, todo o tempo se tornava destino,
como um louco brandindo uma lâmina em riste."
Poema de Arseny Tarkovsky - o pai do realizador russo. É este o primeiro poema que é lido no Espelho de Tarkovsky.
1 comentário:
aqui voltar, sabendo muitas das vezes que encontrarei mais informação útil sobre Tarkovsky, para além da certeza de encontrar um estímulo reflexivo sobre uma obra, um criador ou um momento incontornável da história da arte, tornou-se um rito que sinto rejuvenescer em mim o contacto com muitas coisas que começavam a distanciar-se involuntariamente. Obrigado por isso. Jorge
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